Como o zebu ajudou o Brasil a formar um rebanho de alta genética

Raça chegou ao país há cem anos e se adaptou ao clima tropical, fazendo crescer o número de animais; hoje são 212 milhões de cabeças

Arnaldo Borges, presidente da ABCZ, e o touro nelore Nasik, de 9 anos de idade (Foto: Rogerio Albuquerque)

Escoltado por uma matilha barulhante de fox-paulistinhas, o touro Nasik Perboni, de 9 anos, desfila sua 1,15 tonelada no pasto da Fazenda Ipê Ouro, em Uberaba, no Triângulo Mineiro. Grande campeão da Exposição Internacional do Nelore (Expoinel) em 2012, uma das mais importantes exposições da raça, o touro coleciona títulos de melhor reprodutor e tem 27 mil filhos.

Nasik  é o orgulho do veterinário Arnaldo Manuel de Souza Machado Borges, dono do animal em parceria com a HRO Empreendimentos e Agropecuária Ltda, de Arandu (SP). Proprietário da Ipê Ouro, ele orientou a escolha dos animais em 300 mil acasalamentos de bovinos em fazendas de todo o Brasil. É um número expressivo.

Poucos especialistas conseguiram igualar a marca de Arnaldo, resultado do empenho técnico e da atuação em várias regiões do país. Ele é presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), entidade cuja sede fica em Uberaba e que está comemorando 100 anos de existência.

Arnaldo, de 66 anos, que seleciona bovinos das raças nelore e gir, faz parte da terceira geração de uma família de fazendeiros. “A criação teve início em 1906, com meu avô. Depois, meus pais viveram na Ipê Ouro por 60 anos”, diz.

Formado pela Universidade Federal de Minas Gerais, em 1976, ele assumiu o comando da fazenda em 1980. A funcionalidade do gado sempre esteve no foco da genética e do manejo na Ipê Ouro. “O animal deve ser fértil, ter bom temperamento, habilidade materna, funcionalidade e carcaça. O importante é a produção de carne. Nossos touros possuem origem e pedigree.”

Ele lembra que o pai foi pioneiro em programas de melhoramento genético, ferramenta que modernizou a pecuária brasileira, ao permitir que o criador conheça com antecedência o resultado produtivo de um touro por meio de informações genéticas para depois usá-lo na reprodução. Além de agregar valor ao rebanho, tem a vantagem de reduzir o custo de produção.

A fazendeira Ana Claudia Mendes usa a dupla aptidão do guzerá: carne e leite (Foto: Rogerio Albuquerque)

Enche os olhos observar a pastagem verdejante, farta e bem cuidada de braquiarão, mombaça e tanzânia da Ipê Ouro. As dezenas de árvores espalhadas pelos pastos propiciam sombra e conforto ao gado, assim como os bosques refrescantes. Lá tem uma frondosa árvore chamada jambolão, originária da Índia, pátria de nascimento das raças zebuínas, como as duas criadas na Ipê Ouro. As condições naturais de manejo influenciam a docilidade do gado.

O rebanho da Ipê Ouro reúne 300 matrizes nelore e 60 matrizes gir. “Usamos inseminação artificial e fertilização in vitro (FIV)”, diz Arnaldo. A fazenda comercializa animais em leilão na própria sede e este ano vai montar um shopping na ExpoZebu, que está marcada para o período de 27 de abril a 5 de maio (leia abaixo).

Vende ainda touros para o Programa Pró-Genética, criado pela ABCZ, experiência coroada de êxito que negocia reprodutores com os pequenos e médios criadores a preços mais baixos que os do mercado e em suaves prestações mensais.

O programa é a menina dos olhos da ABCZ por ter melhorado a vida de pecuaristas cujo plantel era de pouca qualidade e com produção de leite sempre baixa, condição que os desestimulava.

É um exemplo de aproximação com o criador. “O programa viabiliza a aquisição de touros puros de origem (PO) com registro genealógico definitivo, que podem ser comprados em feiras ou em leilões chancelados. O pecuarista ainda recebe assistência técnica”, explica João Gilberto Bento, superintendente comercial da ABCZ.

(Fotos: 1, 2, 3, 5, 6 e 7 Editora Globo; 4 Folhapress)
CETICISMO

O conceito de selecionar o zebu centrado na produção de carne – e não mais na beleza –, o respeito ao bem-estar animal e o atendimento técnico satisfatório e próximo ao criador norteiam a ABCZ. A capacidade de atuar em todo o território nacional é um dos fatores decisivos que permitiram à “casa” dos zebuzeiros consolidar-se como a principal associação bovina do país.

A entidade abriu escritórios regionais em 24 Estados e no Distrito Federal, enquanto seus técnicos capacitados percorrem os criatórios com a finalidade de registrar o gado e dar assistência.

Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) esculpe a raça que tornou o Brasil líder mundial na carne (Foto: Rogerio Albuquerque)

Segundo Arnaldo Borges, desde 1938, quando o Ministério da Agricultura autorizou a ABCZ a realizar o registro genealógico das raças zebuínas, 20 milhões de animais foram registrados.  “É o maior cartório de bovinos do mundo”, diz.

Para se ter ideia, a ABCZ registra em todo o Brasil 600 mil zebuínos ao ano e seus técnicos acompanham mais de 3.600 rebanhos. A entidade conta com 22 mil associados no país todo.

Esta ABCZ movimentada e fixada na expansão do consumo mundial de carne e nas exigências crescentes por qualidade tem motivos de sobra para festejar. “A tendência é que o mercado internacional de carne bovina se expanda nos próximos anos e estamos nos preparando para esse cenário”, diz Arnaldo Borges.

Cruzamento

A origem da entidade é a Sociedade do Herd Book Zebu, de 1919. No começo, muitos criadores criticavam as importações da Índia sob o argumento de que a carne dos animais que de lá chegavam apresentava qualidade inferior à de raças brasileiras, como a caracu.

Opositores ao crescimento do zebu no Brasil diziam que poderia até haver uma degeneração com o passar dos anos, devido à incapacidade de adaptação às condições tropicais. Estavam enganados. Todas as raças vindas da Índia encontraram no Brasil sua segunda casa e foram responsáveis pelo salto de qualidade da pecuária de corte e de leite.

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Nos últimos anos, o cruzamento industrial do zebu com o gado europeu abriu caminho para o país liderar o comércio internacional de carne bovina. A experiência permitiu reunir no bezerro meio-sangue a rusticidade do zebu com o sabor da carne do europeu.

A nelore, que desembarcou em solo brasileiro na segunda metade do século XIX, cresceu e espalhou-se aceleradamente. Foi ela que teve a maior intensidade de seleção para carne. É uma raça forte, muito resistente ao ambiente rústico dos quentes pastos tropicais.

O rebanho total do país fica perto de 212 milhões de cabeças de corte e leite. O nelore e o anelorado correspondem a 80% do gado de corte.

Um dos mais tradicionais selecionadores de nelore é José Luiz Niemeyer dos Santos, de Guararapes (SP). Ele fez opção pela raça em 1963. Seu pai, no entanto, iniciou a pecuária em 1948.

Icce Garbellini, da ABCZ: “ (Foto: Divulgação)

Para José Luiz, o nelore foi decisivo para o crescimento e modernização da pecuária nacional. “Além de rústico, ele se adaptou às grandes extensões de terra do país. O nelore se impõe, é forte, a vaca pare sozinha. Valeu a pena criar a raça também por conta da sua funcionalidade.”

José Luiz diz que o trabalho da ABCZ está diretamente ligado ao crescimento e aprimoramento do gado que chegou da Índia.

“Programas de melhoramento genético, genética de resultados, capacitação e orientação nas fazendas e julgamento de pista são fundamentais para a ABCZ cumprir sua missão de contribuir para o desenvolvimento sustentável da produção de carne e leite”, diz.

Segundo o produtor, a entidade atua ao longo de toda a cadeia produtiva, desde a pecuária de seleção até a comercial, orientando os produtores sobre pastagens, saúde do gado e mercado. “Além de cartório das raças zebuínas, a ABCZ trabalhou incessantemente o marketing do zebu aqui selecionado e levou a raça para o mercado internacional. Antes da sua atuação, o zebu era circunscrito a uma região. Quase ninguém conhecia”, afirma.

Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) esculpe a raça que tornou o Brasil líder mundial na carne (Foto: Rogerio Albuquerque)

José Luiz cita a importância da ExpoZebu, com seus leilões espetáculos, para disseminação dos zebuínos por todo o Brasil. “A feira concentra o  gado mais fino e funcional. Além disso, os pregões de elite são atrações, verdadeiras ferramentas de marketing”, diz José Luiz Niemeyer. Ele deu início a um grande leilão, o Noite dos Campeões, em 1985.

Na área do leite, o gir leiteiro, que entrou no Brasil em 1911, foi fundamental para o aumento na produção e para a melhoria de qualidade do animal que era então utilizado.

Ele chegou ao Triângulo Mineiro e é reconhecido como o zebuíno de maior produtividade leiteira em ambiente tropical. Uma das conquistas do gir leiteiro é que, ao ser cruzado com o holandês, deu origem a uma raça nascida no Brasil e que está presente na maioria de suas fazendas: a girolando.

Guzerá

Há dez anos, ela tomou as rédeas da Fazenda Santa Cecília, também em Uberaba. Ana Claudia Mendes Souza é neta de Lamartine Mendes, que deu início ao trabalho na fazenda há 100 anos. Ela substituiu o pai, Edilson Lamartino Mendes.

Como Arnaldo Borges, Ana também carrega no sangue a tradição da pecuária. “O DNA não mente, porém, as orientações dos técnicos da ABCZ foram e são fundamentais para o desenvolvimento da minha criação de guzerá”, diz.

Ana é graduada em administração. A seleção da Santa Cecília tem se destacado entre as outras pelo seguinte motivo: produz o guzerá de dupla aptidão, carne e leite. No Brasil, a raça é mais usada no corte. “Fazemos melhoramento genético sempre focado nos resultados.”

O rebanho é formado por 250 cabeças e, das 130 matrizes, 50 são doadoras de embrião. “Usamos a  inseminação artificial em tempo fixo
(IATF) para ter certeza dos nascimentos.” A fazenda produz 50 touros ao ano. Eles são negociados em leilões. Ana tem contrato também com centrais de sêmen e negocia animais para o Pró-Genética. A Santa Cecília produz ainda o guzolando, uma mistura de guzerá com holandês. Tira 100 litros de leite diários e a média é de 18 litros por vaca.

Volta à origem

No dia 5 de abril passado, a ABCZ acolhia uma comitiva a fim de acertar a programação de visitas às fazendas . “A demanda chega até nós agora”, diz Icce Garbellini, gerente internacional da ABCZ. Ela diz que o Brasil exporta intensivamente material genético e animais das raças zebuínas para países da América Latina e África e ocupa cada vez mais espaço no Oriente Médio e Sudeste Asiático.Após a conquista do território interno, o zebu, sempre com a ajuda e o estímulo da ABCZ, está sendo negociado com a própria Índia, sua pátria-mãe. Seus representantes visitam sempre Uberaba à procura de material genético do gir, por exemplo, para o refinamento da produção de leite.

Icce lembra que o Brasil é o maior produtor mundial de embriões – e o zebu lidera a produção.

Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) esculpe a raça que tornou o Brasil líder mundial na carne (Foto: Rogerio Albuquerque)

O tema da 85a ExpoZebu é os 100 anos da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ). Será uma grande mostra de genética desenvolvida e aprimorada há mais de um século.

A agenda está cheia de leilões, atrações culturais, eventos políticos e carne, muita carne nobre zebuína nos estandes do Parque Fernando Costa. “Serão 6 toneladas de churrasco”, avisa Arnaldo Borges.

O movimento geral da ExpoZebu pode emplacar R$ 200 milhões, valor superior ao de 2018, antecipa Arnaldo. “Será a maior exposição de todos os tempos”, enfatiza.

Estão marcados 29 leilões. “Como a ExpoZebu é uma vitrine, os criadores só apresentam gado de alta qualidade”, diz o presidente da ABCZ. Haverá ainda três shoppings de animais em fazendas da região.

Destaque também para o Concurso Leiteiro da ABCZ e o Dia de Campo, este último evento promovido em parceria com a Embrapa. Nele, haverá exposição de  forrageiras como igyporã, tamani, zuri, quência e paiaguás, além de uma área de integração lavoura-pecuária.

Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) esculpe a raça que tornou o Brasil líder mundial na carne (Foto: Rogerio Albuquerque)
Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) esculpe a raça que tornou o Brasil líder mundial na carne (Foto: Rogerio Albuquerque)
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Fonte: Globorural

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