Pasto tratado como cultura e irrigação planejada garantem alimento o ano inteiro

Por Fernanda Yoneya
Capim arretado!
As pastagens na Fazenda Grangeiro são 100% irrigadas

No município cearense de Paracuru, a Fazenda Grangeiro chama a atenção pelo pasto farto o ano inteiro. Na região, o período de chuvas, que neste ano terminou em maio, é de aproximadamente três meses, mas, graças ao investimento em sistema de irrigação, a produtora de leite Rita Luiza Marinho Grangeiro, proprietária e administradora da fazenda, consegue fornecer um capim de boa qualidade para o rebanho todos os meses do ano. O “segredo”, afirma Rita, além do manejo dispensado à pastagem – o capim é tratado como uma cultura -, está nas condições de temperatura e luminosidade da região. “Isso significa que, com tecnologia e gestão, é possível produzir forragem e, consequentemente, leite durante todo o ano”, diz a produtora. As pastagens na Fazenda Grangeiro são 100% irrigadas. Ou melhor, fertiirrigadas, já que Rita aproveita para irrigar e adubar o pasto ao mesmo tempo.

Com uma “capacidade hídrica segura” – obtida com o reaproveitamento de boa parte da água utilizada na propriedade (limpeza das instalações e banhos dos animais, por exemplo) e com um moderno sistema de irrigação automatizado – e a temperatura variando muito pouco, Rita consegue o que ela chama de “segurança alimentar” para as vacas. O diferencial do Ceará é ter uma temperatura noturna acima de 22 graus durante todo o ano, e luminosidade quase que constante. Esses dois fatores favorecem o desenvolvimento das forrageiras tropicais, que não entram em dormência e produzem constantemente, podendo chegar até a 65 toneladas de matéria seca por hectare/ano em áreas irrigadas.

“Mesmo no período chuvoso consigo colocar 10 unidade animal (UA)/hectare/ano e, nos meses restantes do ano, conseguimos colocar até 15 UA/hectare/ ano, o que nos dá uma média de 12 a 13 UA/hectare/ ano”, calcula. Na época das chuvas, Rita diz que diminui a lotação nos piquetes, uma vez que o crescimento das forrageiras é reduzido por causa da amplitude térmica mais baixa. Outro cuidado no período das águas é em relação à lama, por causa do pisoteio das vacas, indo e vindo aos piquetes, e principalmente nas áreas de sombra. O problema é minimizado com um bom manejo das áreas de corredores e das áreas de sombra no período da seca, aterrando essas áreas, deixando-as “embauladas”, e aplicando um pouco de calcário para compactar.

Determinação – Os cuidados no manejo de pastagens são os mesmos para qualquer região do País, mas, como costuma dizer o engenheiro agrônomo Mário Barbosa Rosa Filho, não há uma fórmula pronta. Técnico de campo da Cooperativa para a Inovação e Desenvolvimento da Atividade Leiteira (Cooperideal), ele atua nos Estados do Ceará, Tocantins, Mato Grosso e Piauí, e presta assistência na Fazenda Grangeiro. “O Brasil é um país continental, com vários biomas, e cada região tem o seu potencial de produção. Depende muito do clima, solo e, principalmente, de entender da forrageira escolhida para trabalhar, respeitando o seu ciclo (altura de entrada e altura residual para ter um novo ciclo), e adubando para repor os nutrientes que esta forrageira extraiu do solo”, diz o agrônomo.

“O exemplo que observo no Nordeste, como também observamos nas regiões Sul, Sudeste e Centro- -Oeste, é a determinação do produtor, ter foco, saber o que quer, ver a sua propriedade como um negócio e gerir como tal. Quais são as características comuns entre as regiões para propriedades de leite? As propriedades que conseguem sucesso têm como características comuns os bons indicadores zootécnicos, tais como uma alta porcentagem de vacas em lactação por área, cria e recria enxuta, trabalham com vacas especializadas, com um ótimo potencial genético. Com tais indicadores a propriedade pode estar localizada em Santa Catarina, Minas Gerais, Goiás ou no Ceará. Todas vão dar lucro ao seu proprietário”, afirma o técnico da Cooperideal.

Na propriedade de Rita, são usadas forrageiras tropicais, adequadas para as temperaturas e condições de umidade da região. “Temos muitas variedades adaptáveis à nossa região e as mais comuns são tifton, tanzânia e mombaça. Vi que o capim mombaça foi o que melhor se adaptou na nossa propriedade, em termos de solo e controle de ervas daninhas”, afirma Rita. Ela também investe, preferencialmente na época das águas, em análises bromatológicas das forrageiras, que auxiliam no controle da dieta do rebanho.

“O leite entra pela boca da vaca, então temos o dever de entender o que estamos oferecendo a elas. É fundamental fazer uma análise bromatológica da forragem, medir a quantidade de forragem disponível nos piquetes, e o que realmente estas vacas estão consumindo. Com estas informações, e a produção de leite por dia, você consegue calcular uma dieta para esta vaca ou para um lote de vacas”, afirma o agrônomo.

Para o técnico da Cooperideal, o tipo de capim depende muito do entendimento do produtor em saber explorar a forrageira escolhida, irrigada ou em sistema de sequeiro. Com vacas de bom potencial genético, podem ser usados capins de alta produção, como jiggs, tifton, mombaça, tanzânia. As braquiárias, em um sistema menos intensivo, de menor custo, podem alimentar outras categorias do rebanho, como vacas secas e novilhas.

Atualmente, a Fazenda Grangeiro tem 150 animais da raça girolando, produzindo 2.400 litros de leite/dia. São 12 hectares irrigados divididos em dois sistemas de 6 hectares com 21 piquetes cada, mantendo 83% de  vacas em lactação. A recria, considerada enxuta, é de 25% do rebanho. A meta é, até dezembro, chegar a 180 animais, com produção de 3.000 litros/dia, com uma média de 16,5 litros/animal, usando capim mombaça e uma suplementação no cocho de concentrado pró- -ordenha, com milho reidratado.

“Atualmente estamos preparando uma área de 12 hectares para a recria ficar independente da produção de leite, e uma reserva para a segurança alimentar no gado de leite. Isso foi determinado no início do projeto do pastejo. Logo que fecharmos o rebanho com 180 animais em lactação, iremos trabalhar em busca de maior eficiência por animal e, consequentemente, mais leite por animal, aumentando a rentabilidade”, planeja Rita.

A lotação da área e a quantidade necessária de água e de adubo saem das planilhas. Uma vez por ano, a produtora faz análise de solo da área de pasto. Além de orientar o produtor sobre as práticas de adubação e calagem, a análise química do solo ainda auxilia o monitoramento da disponibilidade de nutrientes e a presença de elementos tóxicos, como o alumínio, ou em excesso no solo que possam comprometer o crescimento da pastagem ou provocar danos ao meio ambiente.

“A primeira coisa a que um produtor deve se apegar é a um bom técnico em projeto. Ele deverá estudar bem a área, a capacidade hídrica para fazer o suporte forrageiro e, logicamente, será determinado o tamanho do rebanho”, afirma a pecuarista.

A Fazenda Grangeiro foi uma herança do sogro de Rita e se tornou um “projeto de vida”. Há 20 anos, ela planta coco. Há sete, é produtora de leite. A propriedade possui ao todo 200 hectares, sendo 65 hectares destinados ao coco anão verde para produção de água e 16 hectares reservados para o projeto de pecuária leiteira. Comparando as duas atividades, que na propriedade são “integradas”, o leite tem a vantagem de ocupar metade da área do coqueiral. “O faturamento do leite já é igual ao do coco, com a vantagem da maior rentabilidade por área”, diz Rita.

A integração coco-leite também ajuda a explicar por que a Fazenda Grangeiro se tornou referência na produção de leite a pasto na Região Nordeste. “Eu precisava de esterco para a área do coqueiral. Meu sogro dizia que uma fazenda sem gado era uma fazenda sem vida. Assim entrei na atividade leiteira”, lembra a pecuarista. Hoje, são produzidas 300 toneladas de esterco por ano, material usado como adubo orgânico na plantação de coco e recolhido enquanto o rebanho repousa em um galpão protegido do sol, durante as horas mais quentes do dia. Já o gado “solteiro”, que não está em lactação, se alimenta na área de coco, fazendo a “capina” ao redor dos coqueiros.

Rita faz parte da Associação dos Produtores de Leite do Ceará (Aprolece), que atualmente reúne 35 produtores. “Constantemente buscamos profissionais que nos passam informações e conhecimento técnico, de manejo de pastagens e de mercado.” Um dos gargalos, segundo ela, é a aquisição de insumos, que poderia ser feita em grupo, mas é dificultada pelo fato de os associados estarem espalhados no Estado. “Por isso, estamos dando início a uma cooperativa chamada Cooperativa dos Produtores de Leite do Ceará (Cooprolece) para tentarmos fazer compras em conjunto e, assim, conseguir um preço mais baixo e reduzir nosso custo de produção.”

A proprietária da Grangeiro faz questão de dizer que uma fazenda, independentemente do tamanho, é uma empresa como outra qualquer e, como tal, precisa de gestão e planejamento. “O controle dos custos é total, sem deixar nenhum item sem anotação. Todos os meses avaliamos os gastos por conta gerencial. Isso nos dá uma visão rápida de erros que podem estar acontecendo. O que eu quero? O que eu tenho? Para onde eu vou? Essas são as perguntas que todo produtor deve se fazer”, afirma a produtora.

O técnico da Cooperideal concorda. “A produção de leite se baseia em alimentação, conforto, genética e gestão. Não dá para pensar isoladamente cada fator. o produtor de leite tem de ser um excelente produtor de forragens, saber plantar e saber colher. No nosso caso as colhedeiras são as vacas. Como temos variações climáticas ao longo do ano, o entendimento destes fatores é fundamental para poder fornecer forragens de alta qualidade o ano todo para as vacas.”

De olho no capim – O que tradicionalmente é chamado de pastejo rotacionado corresponde a um método de pastejo no qual os animais passam de uma área para a outra, determinando períodos de ocupação e de descanso para os piquetes. A principal vantagem do método de pastejo rotacionado, diz a pesquisadora Patricia Menezes Santos, da Embrapa Pecuária Sudeste, é o maior controle da desfolha das plantas pelo responsável pelo manejo dos pastos, o que possibilita maior eficiência de pastejo na área e a recuperação adequada das plantas antes de uma nova desfolha. “Em uma área sob pastejo rotacionado, os períodos de ocupação e de descanso de cada piquete podem ser pré-determinados com base no número de dias ou definido a partir de algum parâmetro relacionado ao crescimento da planta.

Quando o ciclo de pastejo é pré-determinado, pode ser feita uma recomendação única para o ano todo ou recomendações diferentes para cada estação. A principal vantagem desta forma de recomendação é sua simplicidade e facilidade de implantação”, afirma a pesquisadora. Quando o ciclo de pastejo é definido a partir de algum parâmetro relacionado ao crescimento da planta, a recomendação pode ser feita com base na altura do pasto. O objetivo desta recomendação, de acordo com Patricia, é fazer com que a desfolha seja feita no momento em que o pasto está acumulando a maior quantidade de massa verde possível (“máxima taxa de acúmulo líquido de forragem”). “Os estudos científicos mostram que este ponto em que o pasto está acumulando bastante massa verde está relacionado à porcentagem de radiação solar que é interceptada pelas folhas e também à altura do pasto. Desta forma, para tornar a recomendação mais simples e fácil de ser adotada, são definidas faixas de altura para a entrada e saída dos animais nos piquetes. A principal vantagem desta forma de recomendação é o fato dela permitir ajustes no manejo em função do ritmo de crescimento da planta.” De acordo com a pesquisadora da Embrapa, a escolha entre as formas de recomendação do pastejo rotacionado deve levar em consideração as características do sistema de produção, inclusive a capacitação dos responsáveis diretos pelo manejo do pasto.

*Matéria publicada originalmente na edição 87 da revista Mundo do Leite. 

Fonte: Portal DBO

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