Pesquisa participativa cria bancos de sementes de adubo verde no Nordeste

Com maior oferta local de sementes de plantas, agricultores nordestinos economizam ao não ter que importar o material de outras regiões

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Fonte: Google

A pesquisa participativa entre cientistas da Embrapa, professores, estudantes e pequenos produtores de frutas e hortaliças do Nordeste resultou na criação de vários bancos de sementes de plantas utilizadas como adubos verdes. O trabalho, desenvolvido no interior do Piauí, Rio Grande do Norte, Ceará e Maranhão, está ampliando e fortalecendo a fruticultura orgânica na região, reduzindo custos de produção e gerando mais renda. A adubação verde é baseada no uso de plantas, especialmente leguminosas, que fornecem nutrientes e melhoram a qualidade do solo. Com maior oferta local de sementes dessas plantas, agricultores nordestinos economizam ao não ter que importar o material de outras regiões.

Ganharam bancos de sementes os municípios de Pedro II, Jatobá do Piauí, São João do Piauí, Parnaíba, Campo Maior, Piracuruca, São Raimundo Nonato e Simplício Mendes, todos no Piauí; Serra do Mel, no Rio Grande do Norte; Pacajús, no Ceará; e Magalhães de Almeida, no Maranhão. O acesso dos agricultores às sementes acontece por meio das cooperativas, em uma dinâmica em que a “moeda” de compra é a própria semente. O empréstimo é feito em volume de sementes, e a cooperativa recebe o pagamento em uma quantidade superior à fornecida para garantir o estoque comunitário e a segurança do plantio nas próximas safras.

A área instalada de cada banco corresponde a mil metros quadrados, e no cultivo não são usados implementos agrícolas motorizados, insumos químicos e defensivos. A irrigação é feita por aspersão comum, com turno de rega em dias alternados. O trabalho de semeadura e manejo é manual, bem como a colheita, beneficiamento e armazenamento. As sementes, após os processos de pós-colheita, são armazenadas em garrafas pet, identificadas com nome comum da espécie e datadas. O ambiente de armazenamento corresponde a nove metros quadrados, espaço em que as garrafas são guardadas em prateleiras e em temperatura ambiente. Todas são protegidas de insolação direta.

A multiplicação das sementes entre os agricultores, por meio desses bancos, tem sido o ponto de equilíbrio do sistema de produção nas regiões atendidas. A experiência do engenheiro-agrônomo e analista da Embrapa Meio-Norte Mauro Sérgio Teodoro, líder da equipe que executou o trabalho, mostra que os bancos de sementes são a chave do sucesso do pequeno produtor. “O banco dá autonomia ao produtor no momento de decidir o que plantar. Tem também o fator econômico, que liberta o agricultor da necessidade de comprar sementes de fora, reduzindo o custo de produção.”

Atualmente, a compra de um quilo de semente de chocalho-de-cobra (Crotalaria juncea) no Município de Piracicaba, no interior de São Paulo, por exemplo, custa R$ 13,00 e mais R$ 4,00 de frete. O quilo do feijão-de-porco (Canavalia ensiformis), outra importante leguminosa do sistema de adubação verde, é vendido também no Sudeste por R$ 10,00 e mais R$ 4,00 de frete. “Esse custo, muitas vezes, é problema para o pequeno agricultor, que nem sempre tem dinheiro para importar sementes”, ressalta Teodoro.

Além dos benefícios para o agricultor, a pesquisa participativa liderada pela Embrapa também tem contribuído para a Ciência, com o resgate de espécies nativas e a descoberta de funções de plantas antes presentes apenas em outras regiões.

Importância da troca de experiências
A ideia inicial de criação dos bancos de sementes de adubos verdes começou a sair do papel em 2013, quando o analista Mauro Teodoro buscava alternativas de controle de plantas invasoras. Durante três anos, ele conduziu o projeto “Fortalecimento da Fruticultura Orgânica” no Município de Parnaíba, a 336 quilômetros ao norte de Teresina. Com a instalação de uma unidade de pesquisa participativa, a ação tem se consolidado.

A troca de experiência ganhou força com o envolvimento de agricultores associados à Cooperativa dos Produtores Orgânicos dos Tabuleiros Litorâneos do Piauí (Biofruta), de professores e alunos da Universidade Estadual do Piauí (Uespi) e do Instituto Federal de Educação do Piauí (IFPI), além dos pesquisadores Francisco Seixas e Carolina Rodrigues, da Embrapa.

A participação de todos na observação do desempenho de espécies que ajudam no controle das plantas invasoras, segundo Teodoro, consagrou a ideia. Trinta agricultores participaram ativamente da pesquisa. “A condução da pesquisa foi uma via de mão dupla, com troca de experiências, percepções e tira-dúvidas. Foi tudo harmonioso. A tomada de decisão sempre era conjunta”, lembra o pesquisador Francisco Seixas.

Ativista do Movimento Orgânico, um coletivo de pequenos agricultores e técnicos da região norte do Piauí, o produtor Pablo Beraldo Pimenta, de 36 anos, diz que foi na pesquisa participativa que ele pôde conhecer na prática os recursos tecnológicos só vistos na literatura. “Foi por meio da Embrapa, nessa pesquisa, que pude compreender melhor a importância da adubação verde, que uso já há mais de três anos em minha propriedade”, conta. Segundo ele, a redução dos custos de produção com os adubos verdes chega a 30%. As receitas cresceram 20%.

Pimenta, um paulista de Campinas que mora no Piauí há sete anos, é um dos principais associados da cooperativa Biofruta. Em 8,5 hectares, ele planta coco, banana, macaxeira, feijão, acerola e maxixe. Acerola é o carro-chefe da propriedade. Em 2016, foram produzidas 120 toneladas da fruta. Noventa toneladas de acerola ainda verde foram compradas pela empresa norte-americana Nutrilit ao preço de R$ 3,00 o quilo. O restante da produção seguiu para as indústrias de suco da região.

A cooperativa Biofruta surgiu em 1998, no Município de Parnaíba, com o início das atividades no Distrito de Irrigação Tabuleiros Litorâneos do Piauí (Ditalpi), criado pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS). Os atuais 21 cooperados cultivam frutas, e a acerola é o destaque da produção. Em 2016, a produção alcançou mais de mil toneladas de acerola. O faturamento chegou a R$ 3 milhões.

Ganhos para a academia
Experiente na sala de aula, o professor do curso de agronomia da Uespi Valdinar Bezerra dos Santos pôde ver na prática a importância da pesquisa participativa. “Pude aprofundar os estudos de condição de solo e água com meus alunos. Foi uma experiência inovadora”. Segundo ele, o trabalho possibilitou o resgate da importância de espécies nativas, como a chocalho-de-cobra e a gramínea caninha, além de conhecimento científico sobre espécies no ambiente do Nordeste.

Na Uespi, o trabalho continua evoluindo, por meio de uma unidade demonstrativa no próprio campus do Município de Parnaíba, com o plantio consorciado de macaxeira, milho e mucuna-preta (Stizolobium aterrimum) e a instalação de um banco de sementes. A parceria resultou ainda em seis trabalhos de conclusão de curso e uma dissertação de mestrado na Universidade Federal do Piauí, campus do Município de Bom Jesus, no sudoeste do estado.

Professor de agroecologia no Instituto Federal de Educação do Piauí, campus do Município de Cocal, também na região Norte do estado, Flavio Crespo é um defensor intransigente da pesquisa participativa. “O agricultor sente que a pesquisa na qual ele está participando é uma coisa boa. Ele vê os resultados, assimila a tecnologia e põe em prática. Há um senso de pertencimento.”

Crespo, que também é professor voluntário em escolas agrícolas no vizinho estado do Ceará, acredita que se todas as pesquisas agrícolas envolvessem diretamente os produtores, “a região Nordeste estaria com uma agricultura em um patamar acima do atual estágio”. Para ele, a pesquisa deve ser construída com a troca de opiniões entre cientista e agricultor. A parceria com o IFPI gerou um banco de sementes que ajuda na orientação dos estudantes.

A ideia que se consolidou entre os pequenos produtores de frutas também influenciou a construção de dois projetos de pesquisa. O primeiro, com o título “Integração de atividades e viabilidade da pequena e média exploração do cajueiro no Nordeste do Brasil”, já está em execução. O segundo, denominado “Estratégias para a sustentabilidade da produção orgânica irrigada na região Nordeste”, será iniciado em breve.

Crotalaria, a rainha do sistema de adubação verde
Para entender o sistema, é preciso voltar no tempo. Usada há mais de dois mil anos, a adubação verde começou pela China, Grécia e Itália. Adotada em diversos sistemas de produção, ela é conhecida no Brasil há quase um século, com resultados agrícolas positivos e retorno econômico. Os adubos verdes são plantas utilizadas na melhoria das condições físicas, químicas e biológicas do solo.

A tecnologia consiste no cultivo e corte de plantas em plena floração. A preferência é por leguminosas, já que elas têm capacidade de fixação de nitrogênio, elemento fundamental no crescimento e desenvolvimento celular das plantas.

São funções importantes da adubação verde cobrir e proteger o solo da erosão, reduzindo a temperatura na superfície e a evaporação da água; reciclar nutrientes das zonas mais profundas do perfil à superfície; romper as camadas coesas ou compactadas; e aumentar o teor de matéria orgânica. O resultado é que os agricultores têm ganhos de produtividade, redução dos custos de produção e mais capacidade produtiva do solo.

Três espécies se destacam no mundo da adubação verde. A chocalho-de-cobra, ou xiquexique, que é a rainha na preferência dos agricultores; feijão-de-porco e feijão-guandu-anão (Cajanus cajan). Originária da Índia e da Ásia Tropical, com o nome científico de Crotalaria juncea, pertencente à família Fabaceae, a chocalho-de-cobra absoluta é a preferida em praticamente o Brasil.

O crescimento inicial dessa espécie é rápido, podendo chegar a 1,58 metro após 67 dias de semeadura. O rendimento médio dela, segundo estudos da Embrapa, é de 26,2 toneladas por hectare de biomassa fresca. É uma espécie muito eficaz em sistema rotacionado, com boa produtividade em culturas como arroz, feijão, cana-de-açúcar, milho, soja e hortaliças.

Fonte: Jornal Dia de Campo

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