Nobel da Paz: as 10 lições de Rattan Lal para o agro brasileiro

Professor emérito da Universidade de Ohio e uma das maiores autoridades em saúde do solo afirma que o país pode ajudar o mundo a ser mais sustentável

O paquistanês Rattan Lal completou 78 anos no dia 5 de setembro. Mas foi aos 62 anos que a sua figura ganhou o mundo ao ser nomeado Nobel da Paz, ao lado do ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, por seu protagonismo no IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), instrumento criado em 1988 no âmbito das Nações Unidas. Mas ele não tem somente esse grande prêmio no currículo. Entre os super importantes, em 2020 recebeu o World Food Prize.

Lal é um cientista do solo e suas teorias ganharam importância à medida que as pesquisas que realizava mostravam que era preciso uma estratégia diferente daquela que se pregava desde a década de 1970, com forte predominância dos fertilizantes comerciais.

Confira as 10 lições de Rattan Lal:

1 – Brasil, potência do agro

“O Brasil passou de importador de alimentos a maior exportador líquido de alimentos do mundo. O país deve se orgulhar muito disso. É uma história de sucesso notável. A transformação gigantesca, chamada de ‘O Milagre do Cerrado’, é um dos desenvolvimentos mais importantes da história mundial moderna.

O Brasil está hoje entre os cinco maiores produtores mundiais de cerca de 36 produtos agrícolas. A produção quadruplicou desde 1960 e tem crescido cerca de 3%, a 3,5% ao ano. Isto é o que significa ser uma potência agrícola mundial.”

2 – Brasil pode acabar com a fome no mundo

“A adoção da agricultura de conservação no Brasil, ​​que começou em 1974, atingiu muito rapidamente mais de 35 milhões de hectares. A FAO previu que para alimentar o mundo em 2050 seria necessário cultivar em mais 120 milhões de hectares de terras agrícolas além do que se faz hoje, sendo a África Subsaariana, a América Latina e as Caraíbas as principais regiões com potencial de expansão.

Analistas argumentam que a savana verde africana pode vir a ser o próximo celeiro do mundo, por causa da semelhança agroclimática com o Cerrado brasileiro. Por isso, gostaria de fazer um apelo ao Brasil para que aquilo que os brasileiros fizeram na região do Cerrado, ao longo dos últimos 25 anos ou mais, ajude África a realizar o mesmo. O Brasil daria uma tremenda contribuição para facilitar a eliminação da fome no mundo e alcançar esta meta de desenvolvimento sustentável.”

3 – Brasil e sua missão de proteger o solo

“O sucesso na produção, tanto no volume de grãos, como na avicultura, na pecuária, aquicultura e outros setores, é uma história de sucesso notável e única. Mas há desafios que não podemos ignorar. A degradação do solo é um problema sério. A desertificação do nordeste do país, a erosão do solo, o esgotamento e a compactação são fatos. A salinização na região semiárida, o uso excessivo de água em algumas regiões e a poluição precisam ser consideradas.

A agricultura tem contribuído para as alterações climáticas, incluindo as terras agrícolas, nomeadamente através da desflorestação e da criação de animais, especialmente por causa da emissão de metano pelos ruminantes.

O Brasil é o maior exportador mundial e o segundo maior produtor de soja. As mudanças climáticas, provavelmente, não afetarão a produção brasileira de soja, que representa 60% de toda a proteína vegetal. Na verdade, a produtividade da soja pode aumentar no Brasil em 16 zonas agroclimáticas no cenário de mudanças climáticas futuras, em comparação com o atual, principalmente por causa do efeito da fertilização com o CO2. Mas devemos garantir que a degradação do solo causada pelas alterações climáticas seja controlada.”

4 – Agricultura amiga do clima e regenerativa

“A seca é fator a ser considerado com muito cuidado, principalmente na região semiárida e subúmida, principalmente em relação à produção de soja. O déficit hídrico da seca pode ser uma das principais causas da lacuna de produtividade dessa cultura. Mas, tomando cuidado, o rendimento da soja pode aumentar com variedades que tenham raízes profundas, com aumento do rendimento de 500 a 2.500 quilos por hectare.

A distribuição do perfil radicular deve ser considerada para melhorar a resiliência da soja ao déficit hídrico e para se adaptar às alterações climáticas. Assim, como tornar a agricultura amiga do clima, garantindo que a agricultura regenerativa seja adotada, são algumas das considerações a que devemos prestar atenção para os futuros desafios agrícolas.”

5 – Produzir e consumir de forma inovadora

“O impacto na forma como os alimentos são produzidos e consumidos será cada vez mais considerado porque isso afeta a saúde do solo, das plantas, dos animais, das pessoas e do próprio planeta.

Portanto, o uso indiscriminado de pesticidas, herbicidas, fertilizantes e o uso excessivo de aragem podem afetar a qualidade do solo e ter um efeito em cascata nos processos planetários, como as alterações climáticas. O impacto da agropecuária nas alterações climáticas deve ser reduzido por meio da adoção de tecnologias agrícolas inovadoras.”

6 – Brasil e sua agricultura urbana

“A urbanização populacional em várias partes do mundo, e não apenas no Brasil, vem desenhando as comunidades. A Cidade do México, por exemplo, tem 19 milhões de habitantes.

No Rio de Janeiro, a população aumentou de 3,1 milhões em 1950 para 14 milhões atualmente. Na Grande São Paulo, a população aumentou de 2,3 milhões para 22 milhões. Portanto, a nossa agricultura também deve considerar o papel da agricultura urbana e periurbana, utilizando um sistema de produção de alimentos sem solo, como a aquicultura, a hidroponia e estruturas de estufas de vários andares para produzir alimentos dentro dos limites da cidade.”

7 – Saúde única precisa ser rotina

“O conceito de saúde única precisa ser incorporado à nossa rotina. Saúde do solo, das plantas, dos animais, dos seres humanos, do ambiente, do planeta e das pessoas, ou seja, todo o ecossistema está interligado. Esse conceito é baseado na filosofia de John Moore. Quando tentamos identificar qualquer coisa por si só, descobrimos que ela está ligada a tudo mais no universo.

Portanto, manter a saúde do solo é essencial. O que significa que, provavelmente, talvez aceitar um rendimento menor, por exemplo, 10% inferior ao máximo – mas manter esse rendimento ótimo durante um longo período de tempo, ao mesmo tempo que preservamos a saúde do solo.

Digo que a saúde do solo nunca deve ser comprometida. Isso nos traz a questão dos sistemas alimentares sustentáveis, porque a agricultura é apenas um dos primeiros passos do sistema alimentar. O sistema alimentar é toda a cadeia.”

8 – Sistema resiliente de produção de alimentos

“A transformação para um sistema alimentar sustentável é uma componente importante dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Esses objetivos são o número um para [combater] a pobreza. Fome, número 20. Número três, boa saúde e bem-estar. Número seis, água potável e saneamento. Número doze produção e consumo responsável. Ação climática é o número 13. Número 15 diz sobre a degradação da terra. E o número 17, paz e justiça para todos. Os nossos sistemas alimentares no futuro devem prestar atenção a estes objetivos, porque são diretamente afetados pelo sistema alimentar.

Portanto, não se trata apenas de uma agricultura de produção. É uma questão de como o sistema alimentar, toda a cadeia pode ser melhorada e transformada, ou seja tornar-se restauradora do solo. Um sistema resiliente que pode nos ajudar a alcançar um sistema melhor é aquele que pode suportar os choques e se recuperar.

Eles são pró-natureza e devemos trabalhar com a natureza e não contra a natureza. Ou seja, ostentar interconectividade e holismo e, claro, manter a saúde do solo. No Brasil, a agricultura de baixa emissão é um exemplo, e também há agricultura com emissão zero, mas estou falando de agricultura com emissões negativas. Há uma grande diferença entre os dois. A agricultura deve criar uma emissão negativa de carbono através do sequestro de carbono.”

9 – A nova economia é circular

“No Brasil, a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar é um excelente exemplo global de economia biocircular. O país precisa fazer disso um modelo para outras culturas e também a ser seguido por outros países.

Agroecologia e agricultura. Isso segue quatro princípios básicos da ecologia. Ou seja, integração agroecológica agroflorestal de culturas com árvores e pecuária, em vez de apenas pecuária por si só. Integrar culturas com árvores e práticas pecuárias que conduzam a um orçamento de carbono do ecossistema do solo positivo, ou seja, emissões agrícolas negativas, o que significa um orçamento positivo de carbono do solo.

Devemos pensar no CNPK em vez do NPK, adotando o conceito de gestão integrada da fertilidade do solo. CNPK, esse deveria ser o slogan. Devemos equilibrar o uso dos nutrientes das plantas. Não se trata apenas do nitrogênio, mas também do fósforo e do potássio, mas, mais importante, também dos micronutrientes.”

10 – Brasil está pronto para a ecointesificação

“Devemos salvar terras para a natureza. O Brasil possui o maior reservatório de floresta tropical, felizmente com 80% ainda está intacto. Espero, oro, suplico e recomendo que o Brasil proteja sua floresta. Restaure pastagens degradadas, mas não desmate mais florestas.

Devemos, de fato, salvar terras para a natureza e podemos fazer isso para algumas delas por meio do sequestro de carbono. Isso nos leva ao conceito de ecointensificação. Não estou falando de intensificação sustentável, mas de intensificação ecológica. O conceito de ecointensificação é produzido mais a partir de menos. Menos terra, menos água, menos fertilizantes e pesticidas, menos energia, menos emissões de gases com efeito de estufa.

Até 2100, dos 5 mil milhões de hectares de terras agrícolas em nível mundial, devemos devolver metade desses 2,5 milhões de hectares à natureza. E o Brasil pode desempenhar um papel muito importante. Não estou dizendo para reduzir a produção, estou dizendo para melhorar a eficiência para que o país possa economizar recursos para a natureza.”

Fonte: Forbes Agro

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