Artigo originalmente publicado no Broadcast Agro, da Agência Estado.
Em abril, a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou que a Índia ultrapassou a China em número de habitantes.
Os motivos: com as políticas chinesas que restringiam o número de filhos que um casal poderia ter, a taxa de natalidade caiu ao longo das décadas, contendo o crescimento populacional. Até 2050, a população chinesa deverá cair 8,0% – de 1,4 bi para 1,1 bi (ONU).
Estima-se que a Índia, por outro lado, registrará um crescimento populacional de 0,7% ao ano, devendo chegar em 1,5 bilhão de habitantes em 2030 (ONU).
As diferenças entre os países não envolvem somente a quantidade de habitantes. Esse recorte pode trazer oportunidades ao Brasil?
Perfil das populações chinesa e indiana
A população chinesa é, em sua maioria, mais idosa, reflexo da política estatal do filho único, instaurada em 1950, que teve fim em 2015.
A Índia tem maior número de jovens, maior taxa de fertilidade e teve menor taxa de mortalidade infantil nas últimas três décadas. A economia ocupa a quinta posição no mundo e o crescimento populacional contribuiu para a melhora do PIB.
A religião predominante é a hindu que proíbe o consumo de carne bovina, mas, diferentemente do que se pensa, a Índia não é um país vegetariano.
A segunda religião com maior número de seguidores é o islamismo. Com isso, todas as carnes com certificação Halal podem ser exportadas para o país, pois existe demanda potencial.
A renda per capita na Índia é de US$2.601 e na China é de US$13.721, que favorece o consumo dos chineses.
Em outubro, foi divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) a perspectiva de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em diferentes países, dentre eles, o da China. Em 2023, houve redução de 5,0% no crescimento da população chinesa e, em 2024, espera-se retração de 4,2% no crescimento do país frente a 2023.
Há incertezas quanto ao mercado de trabalho, fator que tem pesado sobre o consumo da população. A permanência ou não desse cenário, dependerá de ações do governo chinês.
A expectativa para a Índia, por outro lado, é de crescimento, que deverá ser de 6,1% a 6,3% em 2023 e deve acelerar a partir de 2025. O crescimento é puxado, principalmente, pelo setor de serviços, que contribui com cerca de 50% do PIB.
Na Índia, o destaque é para a eficiência na utilização dos recursos para a produção. Além disso, o mercado de trabalho tem criado melhores oportunidades comparado à China, com a população mais jovem entrando ao mercado. Mas, o desafio reside na renda per capita local.
Consumo de carnes na Índia
A Índia gastou com produtos importados do Brasil US$6,30 bilhões em 2022 e, até setembro de 2023, esse montante fora de US$3,44 bilhões (Secex).
Os principais produtos importados pelos indianos foram óleos de origem vegetal, com destaque ao óleo de soja, açúcares e melaços e óleos de origem mineral, como o petróleo.
No entanto, para abastecer o aumento populacional, a Índia deve produzir ou importar mais alimentos.
A Índia possui o maior rebanho bovino (corte e leite) do mundo. São 307,6 milhões de cabeças, quase 113,7 milhões de cabeças a mais que o rebanho brasileiro, segundo maior do mundo (USDA).
A produção de carne bovina na Índia, porém, é de 4,5 milhões de toneladas em equivalente carcaça (tec), enquanto a produção brasileira é de 10,8 milhões de tec.
Em 2019, o Brasil iniciou a exportação de carne de aves in natura para a Índia, sendo o principal mercado, no setor de carnes, que pode aumentar o faturamento brasileiro.
A carne de frango é a mais consumida no país e, ao longo dos anos, com o aumento da renda per capita e da população, aumentou o consumo de carne. Em 2023, até outubro, o consumo foi de 4,4 milhões toneladas, um aumento de 53,4% em 10 anos (figura 1).
O consumo de carne bovina na Índia, em toneladas de equivalente-carcaça (tec), é de 3,0 milhões de tec, com expectativa de crescimento para 3,1 milhões de tec em 2024.
Considerando os 4,4 milhões de tec produzidos em 2023 e a população em 1,428 bilhão de habitantes, o consumo per capita é de 2,1 kg/habitante/ano. Considerando que, do total de habitantes na Índia, apenas 20,0% não são de religião hindu e consomem carne bovina, o consumo em relação a esse público, seria de 10,5 kg/hab/ano.
A figura 2 mostra os dados de consumo indiano de carne bovina ao longo dos anos, em milhões de toneladas de equivalente carcaça e expectativa de consumo para 2024.
Mas o que podemos esperar para os próximos anos?
A população indiana deverá ser de 1,5 bilhão em 2030 (ONU). Se considerarmos que o perfil religioso de lá para cá não mude, serão 14,4 milhões de habitantes a mais para consumir carne bovina, o que, considerando a média de consumo apresentada em 2023, elevaria a demanda anual de carne bovina para 3,1 milhões de tec, abaixo da produção atual indiana (4,5 milhões de tec).
O ritmo de crescimento do país pode colaborar com o cenário, contudo, mais importante que isso, o aumento da renda será primordial para uma aceleração de demanda e possibilidade de, um dia, a Índia ser a nova China aos olhos do Brasil, ou, ao menos, mitigar a “chino dependência” nos próximos anos.
Perspectivas para a importação de carne de frango pela Índia e de carne bovina pela China em 2024
O mercado indiano tem potencial para aumentar a demanda pela carne de frango, no entanto, apesar das projeções de consumo aumentarem para 2024, não será um aumento expressivo, devido aos fatores cultural e religioso, que dificilmente serão mudados drasticamente, mesmo com um aumento da população e consequente aumento do consumo.
A Índia deve continuar sendo um parceiro comercial para o Brasil, mas os principais produtos importados devem continuar sendo os óleos de origens vegetal e mineral e o açúcar.
Quanto a China, segundo estimativas do USDA, a expectativa para 2024, é de que a importação de carne bovina caia de 3,6 milhões de toneladas de equivalente carcaça para 3,5 milhões de tec, não devendo afetar o mercado brasileiro. A produção de carne bovina da China deve subir de 7,5 milhões de tec para 7,7 milhões de tec em 2024, e o consumo doméstico também deve aumentar de 11,1 milhões de tec para 11,2 milhões de tec.
Portanto, para 2024, o cenário deve ser de manutenção dos negócios entre Brasil x China, quanto à comercialização de carne bovina in natura.
Por: Alcides Torres e Nicole Santos
Fonte: Scot Cosnultoria