Experimento no interior de São Paulo comprova que colmeias induzem florada, aumentam rendimentos e melhoram a qualidade dos grãos
Aflorada de café orgânico este ano em duas fazendas na região da Alta Mogiana (SP) recebeu milhões de convidados muito especiais: 90 colmeias, com aproximadamente 80 mil abelhas cada uma, foram colocadas a menos de 50 metros das plantações dois meses antes da floração. A intenção com o uso da polinização direcionada é elevar a produtividade e a qualidade dos frutos. A interação entre cafeicultores orgânicos e apicultores da região foi conduzida pela bióloga Aline Patrícia Turcatto, doutora em genética e especialista em soluções de polinização. A escolha pelos orgânicos foi para evitar a exposição dos insetos a agrotóxicos, que podem matá-los. “Há culturas altamente dependentes da polinização, como a maçã no Sul do país e o melão no Nordeste, e outras não tão dependentes, como a laranja. O café arábica tem uma dependência moderada, mas pesquisas realizadas no Espírito Santo mostraram que a polinização pode elevar a produção de 10% a 30% , além de dar frutos maiores e de melhor qualidade”, diz a bióloga.
André Luiz da Cunha, que produz 12.000 sacas de café por ano, recebeu 50 colmeias do apicultor José Antonio Monteiro para o teste inicial nos 40 hectares de lavoura orgânica. As mudas foram plantadas há seis anos em meio à sombra dos cedros-australianos e mognos da Fazenda Bela Época, que fica a uma altitude de 1.200 metros, em Ribeirão Corrente (SP). André diz que o aumento de produtividade interessa, é claro, mas seu foco com a parceria é a sustentabilidade da produção, o equilíbrio ambiental.
O agricultor, que é presidente da AMSC (Alta Mogiana Specialty Coffees), relata que a cada ano os cafés especiais e orgânicos vêm atraindo o interesse de mais produtores. “A região tem um terroir excelente e já conta com uma genética de boa qualidade. A adição das abelhas pode contribuir para elevar ainda mais esse interesse”, diz.
André conta que, em seus 25 anos de trabalho com café, foi testemunha do aumento desordenado do uso de agrotóxicos na lavoura. “Isso me levou a procurar alternativas de produção visando agregar valor ao meu produto. Por isso aceitei de imediato fazer o teste da polinização.”
Certificado pelo IBD, o café orgânico da Bela Época é exportado para Estados Unidos, Japão e Europa. O cafeicultor está abrindo mais 40 hectares neste ano, em plantio associado com mogno e bananeiras. O plano é, no prazo de dez anos, ter os 380 hectares da fazenda produzindo café orgânico e especial.
Na zona rural de Cristais Paulista, a menos de 50 quilômetros da Bela Época, fica a Fazenda Ouro Verde, de Getúlio Minamihara, que também aceitou participar do experimento de polinização proposto pela bióloga. Na propriedade, 100% da produção de café, ou seja, 3.000 sacas por ano, já é orgânica. Antes da florada de outubro, a área recebeu 40 colmeias do apicultor Luiz Antonio de Freitas.
“Meu objetivo com as abelhas é obter mais qualidade, e não quantidade. Hoje, 90% do meu café já tem pontuação superior a 88 pontos”, diz o produtor, integrante da terceira geração de cafeicultores da família, que veio do Japão na primeira metade do século XX. Getúlio diz que passou a produzir café orgânico quase sem perceber. “Há uns dez anos, tive dificuldade com a minha lavoura, pelo uso intensivo de herbicidas. Tudo que tentava dava errado. Aí, tirei os herbicidas. Depois, tirei também os formicidas e os adubos químicos e, então, eu percebi que minha produção já era quase orgânica. Aí, corri atrás das certificações”, conta Getúlio, formado em agronomia na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP).
Planta equilibrada
Ele explica que a produção orgânica é, na verdade, um retorno às práticas de seus ancestrais. “Meu avô e meus pais só deixaram de ser produtores orgânicos após a entrada das pragas na lavoura e a invenção dos defensivos.” Getúlio afirma que uma planta orgânica é equilibrada, estável.
“Ela produz o que é capaz, nem mais nem menos, e você tem de respeitar isso. Eu não adubo demais, não faço pulverização demais, é tudo equilibrado. Nessa plantação, você encontra de tudo. Tem formiga, cobra, praga, raposas, lobos-guará, quatis e tamanduás. E, agora, tem mais abelhas.” Mais da metade dos pés de café da fazenda foi plantada na sombra de abacateiros, outro negócio rentável da família.
O filho, Anderson Minamihara, administrador de empresas, ajuda Getúlio a cuidar das fazendas. Segundo o herdeiro, mesmo antes de ser certificado como orgânico, o café da família já tinha um preço superior no mercado porque não tinha resíduos químicos. Atualmente, toda a produção, certificada pelo IBD, é exportada para Estados Unidos, Japão, Europa, Coreia do Sul, Taiwan e Hong Kong. Algumas sacas do café Minamihara chegam a valer R$ 10 mil no mercado.
Para os apicultores, a vantagem da associação com os cafeicultores é a garantia de espaços nobres e seguros para colocar suas colmeias, visando a uma produção maior de mel. Apesar de a floração do arábica ser bem curta (de três a cinco dias), antes do mel de café as abelhas produzem o mel silvestre, explorando as matas nativas. A expectativa é que, no futuro, a parceria com o café possa gerar renda extra aos apicultores por meio do aluguel das colônias.
José Antonio, ex-servidor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), trabalha com abelhas desde criança, seguindo o exemplo do pai e do avô. Ele diz que já perdeu muitos apiários para os agrotóxicos, além de ter sido vítima de roubos. O produtor espera que cada um das colmeias instaladas na fazenda de André Cunha renda de 25 a 30 quilos de mel e que a experiência anime outros cafeicultores a abrir suas propriedades para as abelhas.
“Sem abelhas, não há natureza, não há alimento. Produzir mel é uma atividade lucrativa desde que se tenha o manejo adequado”, diz José Antonio, que tem 500 colmeias e mantém parcerias com produtores de eucalipto em São Paulo e Mato Grosso. Segundo ele, a rotatividade das caixas de abelhas é que garante o aumento da produção do mel, que ele vende para entrepostos de exportação.
Luiz Antonio, o parceiro dos Minamihara, trabalha há 30 anos com abelhas em Franca (SP). Também apaixonado pela produção orgânica, ele instalou 40 colônias e mais 15 caixas-iscas (para atrair abelhas soltas na natureza) na Fazenda Ouro Verde. O apicultor aposta que, no futuro, será comum no Brasil o aluguel de colmeias para a polinização de culturas – incluindo o café.
A bióloga Aline Turcatto deve mensurar os resultados da pesquisa após a colheita em julho de 2018. Na próxima safra, ela diz que já será possível apontar quantas colmeias são realmente necessárias por hectare de café, qual a distância máxima que devem ser colocadas as abelhas (que têm autonomia de voo para produção de 1,5 quilômetro), qual o tempo que os apiários devem permanecer na fazenda, etc. Com os resultados e esses parâmetros, pretende sensibilizar outros produtores a estabelecer parcerias de café com mel.
No Espírito Santo, apicultores lucraram três anos com o aluguel de colmeias para cafeicultores sem se importar com o mel produzido. A partir de 2016, quando houve uma grave crise hídrica no Estado que afetou o café , os profissionais das abelhas passaram a fazer parcerias, instalando as colmeias antes da floração a custo zero, visando apenas explorar o mel.
A diferença em relação ao experimento da Alta Mogiana é que o café conilon irrigado tem uma florada mais longa e diferenciada entre seus clones. Isso garante trabalho para as abelhas nas fazendas de café por até três meses, de julho a setembro, justamente a época em que não há alimento nas plantações de eucalipto.
Guilherme Gardiman, cafeicultor em Aracruz (ES), recebeu neste ano 120 colmeias do apicultor Lomir José da Silva, repetindo uma parceria de 2016. As abelhas ficaram na Fazenda Quatro Irmãos durante cinco meses. O agricultor diz que não tem estatística, mas sabe que a produção cresceu e os grãos passaram a ser mais uniformes após a polinização direcionada.
Lomir conta que já chegou a ganhar R$ 70 pelo aluguel de cada colmeia para o café em Aracruz, mas, até 2016, não explorava o mel dessas colônias. Atualmente, faz parcerias com os produtores do conilon e diz que o resultado é bom para os dois lados. Segundo ele, as abelhas têm flores para trabalhar e o café aumenta sua produção em até 30%. Lomir, que entrega 70 toneladas anuais de mel a entrepostos de exportação, participa de simpósios e cursos divulgando a importância da parceria com cafeicultores e falando sobre a necessidade da redução de agrotóxicos.
O profissional conta que, embora a produção seja menor, o mel do café tem bastante qualidade e não é tão enjoativo como o do eucalipto. A bióloga Aline, da Abemel, tem a mesma opinião. “Ele tem um sabor mais cítrico, é menos doce e tem coloração mais clara que o mel silvestre e o de eucalipto.”