Bacteriose do maracujá é combatida com microrganismos da própria planta – Embrapa
Bactérias encontradas na própria planta podem ser a solução para uma doença que provoca até 30% de perdas a fruticultores: a bacteriose do maracujá. Ao isolar organismos da superfície das folhas (filoplano), cientistas os testaram no combate à doença e conseguiram reduzir sua severidade em até 40%. A bacteriose provoca lesões nas folhas e deixa os frutos impróprios para consumo e pode exigir a eliminação total do pomar em caso de surto.
“Selecionamos os melhores isolados, e quisemos saber como essas bactérias exerciam o controle, ou seja, o modo como elas atuam”, conta Bernardo Halfeld Vieira, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente (SP) que desenvolve a pesquisa com os colegas Alessandra Ishida, da Embrapa Amazônia Oriental (PA), e Daniel Schurt, que atua na Embrapa Roraima.
A doença costuma ser controlada pelo uso de produtos químicos (cúpricos) e do antibiótico casugamicina. Porém, com aplicações recorrentes, o microrganismo causador adquire resistência rapidamente. “Por não termos cultivares resistentes a essa doença disponíveis no mercado, o produtor acaba utilizando produtos químicos para o seu controle, sendo muitas vezes pouco eficientes, de custo elevado e ecologicamente não adequado”, afirma Daniel Schurt. Outro agravante é que a bactéria é transmitida pela semente e está presente em abundância nos locais de cultivo. “Oferecer uma alternativa de controle à mancha-bacteriana traz vantagens para toda a cadeia produtiva do maracujá”, diz Alessandra Ishida.
Remédio na própria planta
Utilizar microrganismos nativos contra microrganismos patogênicos à própria planta é uma estratégia interessante, segundo explica Halfeld Vieira. Por essas bactérias nativas serem adaptadas à planta de onde foram retiradas, espera-se que elas tenham maiores chances de se estabelecer na cultura e exercer seu papel de controle da doença, explica o pesquisador. “Desse modo, se pressupõe que as bactérias selecionadas utilizam algum mecanismo de antagonismo ou atuam por indução de resistência, desfavorecendo o patógeno”, detalha. “Após diversos estudos, concluímos que as bactérias selecionadas competem por fontes de nitrogênio e ferro, e, com isso, a bactéria que causa a doença tem sua capacidade de infecção reduzida”, complementa.
A partir desse conhecimento, os pesquisadores pretendem utilizar esses microrganismos para reduzir os danos ocasionados pela doença, além de procurar outras alternativas que limitem o acesso da bactéria fitopatogênica aos nutrientes, imitando esse mecanismo. A próxima etapa é verificar se é possível utilizar esse princípio para o controle de doenças bacterianas também em outras culturas e comprovar se as bactérias antagonistas (de combate à doença) são seguras para utilização prática.
Início
Os estudos que levaram aos microrganismos de combate começaram em 2011, coordenados pela Embrapa Meio Ambiente e cofinanciados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Como essa doença causa prejuízos significativos em São Paulo, Pará e Roraima, cada pesquisador fez a seleção de antagonistas nesses locais e depois testaram juntos para definir quais seriam as melhores bactérias.
Maior produtor e consumidor mundial do maracujá, com mais de 700 mil toneladas produzidas em 2009, o Brasil vem registrando significativas perdas no campo por causa da doença que é de difícil controle e de ocorrência generalizada. A partir daí, iniciou-se a verificação de como elas controlam a doença, conferindo se produziam substâncias responsáveis pelo antagonismo, além de procurar outros meios de ação.
O conhecimento do mecanismo de controle biológico que proporcione redução significativa da severidade da doença pode orientar os procedimentos de seleção de bioagentes, além de permitir a descoberta de novas possibilidades de controle. Nesse estudo, o controle da doença foi demonstrado utilizando-se nove bactérias nativas da planta, capazes de controlar a doença independentemente da origem do agente causal(Xanthomonas axonopodis pv. passiflorae) utilizado na pesquisa.
Causa da atividade antagonista
Foi realizado ensaio para os dois antagonistas que demonstram atividade de inibição da X. a. pv. passiflorae. Foi confirmada a capacidade de inibir o crescimento de três cepas de origens diferentes. Nas plantas, bactérias selecionadas de São Paulo e Roraima foram capazes de reduzir a severidade da doença entre 20% e 37%.
O conjunto de resultados mostrou que o mecanismo de competição explica a capacidade de controle de bacteriose do maracujá. Independentemente da origem da estirpe, os resultados para todos os nove antagonistas confirmam a hipótese de que a carência de ferro ou fontes de nitrogênio orgânico no filoplano é fator importante no controle da doença no maracujá.
Aplicações em outras espécies
Ainda não há evidências de que a competição é eficaz para o controle de outras bacterioses que atingem a parte aérea de outras espécies de plantas, pois há indicativos de que algumas bactérias patogênicas não requeiram aumento de população tão expressivo para que possam iniciar o processo infectivo. Também é necessário levar em consideração a composição e abundância de nutrientes secretados na superfície das folhas, que varia de acordo com cada espécie vegetal. Quanto maior a disponibilidade e diversidade de nutrientes na superfície foliar, menor as chances da competição atuar.
Os resultados desse trabalho fornecem uma perspectiva de como antagonistas podem reduzir a severidade da bacteriose em plantas de maracujá. Porém, são necessários mais estudos para compreender como a carência desses nutrientes altera a dinâmica populacional da bactéria nas folhas e sua capacidade de infecção.