Brasil pode liderar uso de bioinsumos no mundo ainda nesta década

Ainda um dos maiores importadores de defensivos e fertilizantes químicos do mundo, o Brasil também desponta como um dos líderes globais na produção e adoção de bioinsumos – e pode se tornar, ainda nesta década, o país que mais utiliza insumos biológicos em escala mundial.

Os bioinsumos não são novidade no país, onde as pesquisas sobre esses produtos começaram a se multiplicar já na década de 1970, mas foi nos últimos três anos que esse mercado passou a viver de fato um “boom”. Especialistas e produtores acreditam que o movimento deve ganhar corpo no próximo triênio.

Dados inéditos do Ministério da Agricultura mostram que, até o primeiro semestre de 2023, o Brasil liderava o ranking de adoção de defensivos biológicos, bioestimulantes e biofertilizantes. No caso do controle biológico, mais de 55% das lavouras já tinham algum tipo de biodefensivo. Na União Europeia, a aplicação de biológicos ocorreu em 23% das plantações, e na China, a terceira colocada na lista, em 8%.

Os brasileiros também lideram a adoção de biofertilizantes, com 36% de penetração. Na União Europeia e na China, as fatias são de 25% e 22%, respectivamente.

Rogério Vian é um dos agricultores brasileiros que dão rosto a esse fenômeno. Com lavouras nos municípios goianos de Mineiros e Caiapônia, ele começou a utilizar biológicos em 2005 e hoje, com quase duas décadas de experiência com esses insumos, dá palestras sobre o assunto.

Vian cultiva grãos em 750 hectares, nos quais faz exclusivamente manejo biológico. “Estabilidade e planejamento são fundamentais para a adoção de biológicos. Foi isso que fizemos. Hoje, não nos preocupamos com picos de produtividade, já que asseguramos resistência e rentabilidade do grão”, disse ele.

“Em ano mais complicado, como esse que passou com o El Niño, a gente segura a média de produtividade apenas com biológicos. Só uso químico em situação pontual”, afirma Vian.

A soja ocupa 50% da área de plantio do agricultor. Nos 18 anos de aplicação de bioinsumos, Vian obtém produtividade média de 60 sacas por hectare nas lavouras do grão, independentemente de eventuais problemas climáticos. Seu custo de produção é de cerca de 30 sacas por hectare.

O agricultor lembra que começou a adotar esse tipo de manejo quando nem sequer havia um produto comercial. O quadro contrasta com o de janeiro deste ano, quando, de acordo com os dados mais recentes do Ministério da Agricultura, havia 666 registros à disposição.

Com o aumento da demanda por defensivos biológicos nas lavouras de soja e milho, essa é a linha de produtos que tem puxado o crescimento do mercado brasileiro de bioinsumos.

O segmento de biodefensivos movimentou R$ 1,3 bilhão no país na safra 2020/2021, montante 37% maior que os R$ 948 milhões do ciclo anterior, segundo informações do Departamento de Apoio à Inovação Agropecuária – Coordenação Geral de Bioinsumos e Recursos Genéticos, ligado ao Ministério da Agricultura. O número ainda é pequeno se comparado com o dos agrotóxicos, que movimentaram R$ 52,1 bilhões em 2020/2021.

Seja como for, é nos biológicos que está o viés de forte expansão. Segundo a CropLife Brasil (CLB), associação formada por especialistas, instituições e empresas que atuam na pesquisa e desenvolvimento de tecnologias para a agricultura sustentável, entre 2018 e 2022 a taxa de crescimento anual de biodefensivos foi de 62%.

Com base no uso do controle biológico na safra 2021/2022 de grãos, a entidade estima que houve aplicação de defensivos biológicos em 28% das lavouras. Em 2023, os defensivos biológicos movimentaram R$ 4 bilhões, o que representou um crescimento de mais de 30% em relação ao ano anterior.

Lucas Alves, gerente de contas da consultoria Kynetec, acredita que a tendência de expansão do mercado brasileiro de biológicos vai continuar, abrindo caminho para que as vendas rompam a marca de US$ 1 bilhão ainda na temporada 2023/2024. “Podemos esperar um novo crescimento do segmento de biológicos, que, considerando o histórico de aumento do mercado nos últimos anos, de 38% ao ano, deve finalmente superar a barreira de US$ 1 bilhão”, disse.

Para ele, o investimento das empresas e da academia em pesquisa e desenvolvimento e a criação de iniciativas que ajudem o produtor a se familiarizar com os biológicos são cruciais para dar impulso ao segmento. “Os desafios de pragas e doenças, como o ataque da cigarrinha em anos recentes, em que o produtor brasileiro buscou auxílio também em ferramentas de origem biológica, ajudam a popularizar e a dar credibilidade aos bioinsumos”, afirma.

Um exemplo de ações do gênero é o dia de campo que Vian organiza e do qual participa como palestrante. “Quando começamos, só havia comercialmente a bactéria Bradyrhizobium para fixação de nitrogênio. Hoje, a maioria dos produtores tem essa tecnologia. Em menos de 20 anos, a evolução foi muito rápida”, diz o agricultor. Vian tem, desde 2015, uma biofábrica em sua propriedade para produzir fungos e bactérias.

Ele coleta os microrganismos em sua área de reserva legal, que equivale a 30% da área total, de 1.400 hectares. “A ideia é verticalizar os bioinsumos para não depender tanto da indústria”, relata.

Ativista dos biológicos, Vian é presidente do GAAS Goiás, um grupo associado à agricultura sustentável. Com atuação em todo o país, a entidade informa que, até fevereiro deste ano, a produção de bioinsumos no Brasil já havia alcançado 2 milhões de toneladas.

Além de os biológicos ajudarem a reduzir a dependência que o Brasil tem de defensivos e fertilizantes de outros países, eles abrem caminho para a “regionalização” do tratamento das safras, avalia o produtor. “Com tantas mudanças climáticas, se começarmos a atuar por região, poderemos adaptar as práticas e ter resultados melhores com os grupos de microrganismos existentes em cada uma delas”, defende.

Desafio da transição

O produtor não ignora, no entanto, que a maior dificuldade que os agricultores têm para a adoção de produtos biológicos em larga escala é o período de transição de um manejo químico para um híbrido e, em seguida, para o totalmente biológico. Isso pode levar de dois a três anos, desde que haja linhas de créditos e políticas de incentivos para a adoção.

O diretor-executivo da Associação Brasileira de Bioinsumos (Abbins), Reginaldo Minaré, acrescenta que o segmento precisa “destravar o limbo jurídico” em que o país está. Para o dirigente, o avanço da Política Nacional de Bioinsumos será crucial para o segmento dar um salto ainda maior até 2050. “A cada ano, o agricultor brasileiro tem utilizado cada vez mais produtos fitossanitários, ampliando o espaço da agricultura regenerativa e reduzindo o uso de agrotóxicos. Essa primeira transição está ocorrendo no campo, feita pelos agricultores”, afirma.

A segunda transição, diz Minaré, ocorre no Congresso Nacional: ela trata da separação entre a legislação que regula os bioinsumos e a que trata dos insumos químicos. Para a entidade, isso será fundamental para estimular o uso dos biológicos e alavancar a produção no Brasil nos próximos três a cinco anos.

Para as empresas do segmento, o cenário é promissor. A argentina Roizobacter estima que, até 2050, os produtos biológicos representarão 50% de todo o volume de insumos a ser aplicado nas lavouras brasileiras. A companhia tem instalada uma fábrica em Londrina (PR), na qual produz inoculantes e leguminosas para biocontrole das lavouras. Entre 2021 e 2023, a companhia investiu R$ 40 milhões na estrutura.

Segundo estudo que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) divulgou no ano passado, em 2030, o mercado nacional de bioinsumos movimentará R$ 16,9 bilhões. “A revolução já aconteceu. Nos últimos dez anos, demos um salto de 1.000% em adesão e conhecimento”, diz o produtor Rogério Vian.

Fonte: Globo Rural

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