Barista campeã brasileira dá dicas de como fazer um café coado perfeito em casa. Veja também as diferenças entre os grãos especiais, gourmets e tradicionais. Produtores e exportadores têm bom momento com dólar alto, mas cenário ainda é desafiador para cafeterias.
A cada três xícaras de café consumidas no mundo, ao menos uma é brasileira, já que o país domina, igualmente, um terço da produção e da exportação global, segundo dados da Organização Internacional do Café (OIC).
O café brasileiro alcança, atualmente, 130 países, com destaque para os Estados Unidos, Alemanha e Itália. E o que fica por aqui é bem aproveitado. Ele chega a 97% dos lares e é a segunda bebida mais ingerida no país, depois da água, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic).
Durante a pandemia do coronavírus, o consumo de café não apenas cresceu, como também teve quem quis se aprimorar nas técnicas de preparo.
Junto com esse interesse, aumentou também a venda de acessórios para o preparo da bebida.
“Nós vimos vários e-commerces, que não eram especializados, passando a nos procurar para comprar utensílios para café, como lojas de utilidades domésticas e de produtos de alta qualidade”, conta a empresária Katia Nassuno, sócia da importadora Flavors, que atua no ramo de acessórios para o mercado de bebidas.
Mesmo com a pandemia, o café não saiu da mesa e nem da preferência dos brasileiros. A compra da bebida chegou a aumentar 35% em março, em relação a fevereiro, puxada pelo consumo em casa, e foi se estabilizando nos meses seguintes, afirma o presidente da Abic, Ricardo Silveira.
E, mesmo com a reabertura do comércio no país, muita gente não voltou às cafeterias. “Parte dos meus clientes, principalmente os que estão no grupo de risco, ainda estão em casa”, conta Georgia Franco de Sousa, proprietária da tradicional cafeteria Lucca Cafés Especiais, em Curitiba (PR).
Por outro lado, a empresária observou um aumento das compras através do seu canal de e-commerce – que já estava bem estabelecido desde antes da pandemia – e também do delivery, implementado após março.
Mas não só as saídas de cafés cresceram, como também ela percebeu um interesse maior dos seus clientes em aprender os melhores métodos para fazer café em casa.
“Com isso, nós começamos a enviar vídeos para eles pelo WhatsApp mostrando as diferentes técnicas. Nós temos uma escola de baristas. Então foram os nossos professores que colaboraram para essa iniciativa”, diz Georgia.
“A gente percebeu que a compra de filtros cresceu demais. O que, para nós, significa que as pessoas estão fazendo café mais vezes durante o dia”, acrescenta Katia.
O equipamento campeão de vendas da Flavors, atualmente, é o kit da japonesa Hario V60 que vem coador, filtros e jarra.
O coador da Hario possui um furo maior no centro do cone, formatação que proporciona uma coagem mais rápida, evitando, por exemplo, com que o café amargue, conta a campeã brasileira de barismo de 2019, Martha Grill.
Porém, ela ressalta que há outras marcas no mercado que garantem experiência semelhante, como Koar e Chemex.
Além dos coadores e filtros, os moedores também têm tido uma saída grande, segundo a empresária da Flavours.
“Ter um moedor em casa também faz toda a diferença. No momento em que eu moo o grão, todo o aroma que estava guardado dentro dele, vai para a xícara com toda a sua potência”, diz Martha.
“Um café moído na hora tem um potencial aromático maior até do que muitos vinhos. Então, ele sempre vai ser mais cheiroso”, acrescenta. Depois de moído, o café vai passando por um processo de oxidação ao longo do tempo, assim como acontece com a fruta já descascada.
Para Martha, porém, essa experiência só irá ser boa se o café tiver alta de qualidade. (Veja a diferença entre os grãos especiais, gourmets e tradicionais mais abaixo na reportagem).
O crescimento do consumo em casa, porém, não conseguiu compensar a queda das vendas de café para os restaurantes, hotéis e cafeterias, o chamado “food service”. Em março, as vendas da indústria para esses estabelecimentos caíram 70% e, até o momento, “recuperaram muito pouco”, conta Silveira, da Abic.
A crise provocada pela pandemia também atingiu desde pequenos negócios até grandes cafeterias, que demitiram funcionários ou até mesmo tiveram que fechar as portas.
Se para as cafeterias o cenário é desafiador, para os produtores e exportadores de café o momento é bem positivo.
O clima tem favorecido o desenvolvimento das plantações e da colheita deste ano. O IBGE estima, inclusive, que a produção de nacional alcance 59 milhões de sacas de 60 kg em 2020, um crescimento de 18,2% em relação à temporada anterior.
O pesquisador da Embrapa Café, Lucas Tadeu Ferreira, explica esse resultado previsto se deve também ao efeito de bienalidade da produção de café.
“Ano par é safra alta. Ano ímpar é safra baixa”, explica.
Somente o estado de Minas Gerais é responsável por produzir cerca de 50% do café brasileiro. Em seguida, a liderança, na ordem, fica com Espírito Santo, São Paulo, Bahia, Rondônia, e Paraná, de acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Com o clima bom e a valorização do dólar em relação ao real, quem está comemorando são os exportadores. Somente em agosto, a receita do setor avançou 25,2% em reais, em relação a igual mês de 2019, de acordo com dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé)
De janeiro a agosto, já foram exportadas 26,4 milhões de sacas, o maior volume para o período em 5 anos.
“E tudo indica que fecharemos o ano muito bem. E isso é muito positivo, pois de 80% a 93% do valor exportado é repassado ao preço da matéria-prima. Isso significa que existe uma injeção de recursos muito grande dentro da produção”, diz o presidente da Cecafé, Nelson Carvalhaes.
Arábica
- Corresponde a 70% da produção;
- É mais delicado, não aceita muita umidade e precisa ser plantado em terrenos com altitude acima de 600 metros;
- Produzido, principalmente, em Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo e Bahia;
- Tem um sabor mais suave;
- É muito utilizado para fazer café de alta qualidade;
- O grão possui 1,4% de cafeína.
Robusta ou conilon
- Corresponde a 30% da produção;
- É mais resistente e se dá bem em altitudes entre o nível do mar e 600 metros;
- Produzido, principalmente, no Espírito Santo, Rondônia e Bahia;
- Tem sabor mais intenso;
- Grão tem 2,5% de cafeína
Diferentes sabores
No gourmet, há presença de poucos grãos imperfeitos, bem menos do que no tradicional e extraforte.
“O café especial, portanto, por ter somente grãos de frutos maduros, não vai ter adstringência ou amargor. O que se sobressai nele, na verdade, é a acidez e a doçura típicas de qualquer fruto. É uma bebida muito mais suave e saborosa”, diz a barista Martha Grill.
Porém os cafés extrafortes e tradicionais não são prejudiciais à saúde. “Eles só não são a melhor matéria prima de todas”, explica Martha.
A Abic também tem uma especificação de café denominada “superior”, que é de uma qualidade intermediária entre o tradicional e gourmet.
Controle de qualidade
Lançado em 2004, o Programa de Qualidade do Café da Abic dá notas aos produtos que vão de 0 a 10. A avaliação sensorial é feita por uma equipe de degustadores que leva em conta o aroma, acidez, corpo, adstringência, fragrância do pó e amargor.
As classificações da Abic são as seguintes:
- Abaixo ou igual a 4,4: Não recomendável
- De 4,5 a 5,9: Extraforte e Tradicional
- De 6,0 a 7,2: Superior
- De 7,3 a 10: Gourmet
A associação disponiliza um aplicativo para Android e iPhone que permite que o consumidor, no momento da compra, verifique o nível de qualidade do produto.
Já a BSCA trabalha com um método chamado Cup of Excellence, desenvolvido em 1999 no Brasil, envolvendo um grupo de especialistas brasileiros, ingleses, japoneses e americanos.
Para receber o Selo de Qualidade BSCA, amostras de grãos das fazendas são avaliadas em laboratório, de acordo com o seu tipo, cor, aspecto, peneira e torra. Além disso, quatro degustadores são responsáveis por analisar a bebida, conforme a sua doçura, acidez, corpo e sabor. As notas vão de 0 a 100.
As classificações da BSCA são as seguintes:
- De 75 e 80 pontos: Gourmets
- Acima de 80 pontos: Especiais
O café certificado pela BSCA tem um selo com um QR Code que rastreia a avaliação sensorial do café, safra, fazenda e região de produção.
Veja quanto custa, em média, um pacote de 500g de cada tipo de café.
- Tradicional/Extraforte: R$ 9,36
- Superior: R$ 14,40
- Gourmet: R$ 29,55
- Especial: R$ 40 a R$ 400 (mas pode chegar a valores mais altos)
Além da certificação, a BSCA faz um concurso anual de cafés especiais, a Cup of Execellence, onde avalia sacas de produtores nacionais.
O recorde até agora ficou com a Fazenda Primavera, em Angelândia (MG), que venceu a edição de 2018: a saca de 60 kg recebeu nota de 93,89 pontos e foi comercializada por R$ 73 mil, maior valor atingindo até hoje.
Os valores dos cafés vencedores são altos, pois, como prêmio, eles ganham o direito de participar de um leilão na internet com a presença dos principais compradores mundiais.
Dificuldade de produzir só especiais
Por ter uma qualidade maior e um custo de produção mais alto, os cafés especiais e gourmets têm um preço mais elevado no mercado do que os tradicionais.
E as plantações, atualmente, ainda não conseguem produzir apenas safras de especiais. Em média, as fazendas geram 20% desse tipo de grão, mas muitos agricultores conseguem extrair 60%, diz Flávio Borém, professor de engenharia agrícola da Universidade Federal de Lavras (UFLA).
De acordo com Juliano Tabaral, superintendente da Federação dos Cafeicultores do Cerrado, tudo isso vai depender das condições climáticas. Se em janeiro, por exemplo – quando o fruto está em processo de crescimento – não há chuvas, o grão não vai ficar no tamanho ideal, o que já impacta na qualidade.
Borém afirma, entretanto, que o potencial de produção de cafés especiais pode ser intensificado a partir de investimentos em estudos que consigam avaliar o melhor tipo de variedade de café para uma determinada região, e em métodos de processamento.
A expectativa inicial da BSCA para a safra 2020 é de uma produção de 9 milhões de sacas de cafés especiais, o que corresponde a 15% de uma safra total esperada em cerca de 59 milhões de sacas.
Um pouco de história
O café está no Brasil há 293 anos e, desde que chegou por aqui, passou a ter um papel econômico importante para o país, principalmente entre o período de 1800 a 1930, conhecido como o Ciclo do Café.
As primeiras mudas chegaram ao país em 1727, pelas mãos do sargento Francisco de Melo Palheta, que as trouxe da Guiana Francesa, a pedido do governo do Maranhão e Grão Pará. Naquele período, o café tinha se tornado um produto de alto valor.
Plantando inicialmente em Belém, o café se adaptou bem ao clima e solo do país, mas foi somente a partir de 1800, após ter encontrado um terreno mais fértil, primeiramente, no Rio de Janeiro e, depois, em São Paulo e Minas Gerais, que o produto passou a ter relevância na economia.
Em 1830, o grão se tornou o principal produto das exportações brasileiras e, em 1845, o país já era responsável por colher 45% do café do mundo.
A sua força econômica passou a declinar no início do século 20, com a queda dos preços do café no mercado internacional, em 1906, devido a um cenário de oferta maior do que a demanda.
Em 1929, com a quebra da Bolsa de Nova York, o governo brasileiro não conseguiu manter preços em patamares aceitáveis e cafeicultores tiveram grandes prejuízos.