A cochonilha-rosada, praga que ataca mais de 200 espécies vegetais, poderá ser combatida com um inimigo natural, a joaninha Cryptolaemus montrouzieri, que também é predadora voraz de diversas espécies de cochonilhas e pulgões. Todas essas pragas podem ser controladas pelo inseto aprovado como produto fitossanitário na agricultura orgânica por instrução normativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O documento traz especificação de referência, ou seja, as garantias mínimas de eficácia do emprego da joaninha.
A Embrapa e o Mapa atuaram durante cerca de dois anos na elaboração dessa instrução normativa, publicada no ano passado. A tecnologia foi introduzida no Brasil há 17 anos pela Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) e apresentou comprovada eficácia também em outros países. Agora ela está disponível para empresas de produtos biológicos que poderão ser multiplicadoras do produto para os agricultores.
“Pelo ‘caminho’ de registro de agrotóxicos convencional, a empresa tem de passar por um processo mais demorado. Agora, com a instrução normativa publicada, a empresa tem o registro facilitado. Sendo assim, o processo terá maior prioridade na avaliação em órgãos responsáveis pelo registro do produto pelo fato de já haver uma normativa versando sobre aquele produto que ela pretende registrar. Ou seja, facilitamos a inovação, mas o registro é de responsabilidade das empresas que vão comercializar”, explica o analista de Gestão Estratégica de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Mandioca e Fruticultura, Samuel Telhado, que participou do processo, focado na publicação da normativa.
O trabalho agora, segundo Telhado, é buscar parceiros privados multiplicadores que registrem oficialmente um produto comercial e o disponibilizem ao mercado — a Embrapa Mandioca e Fruticultura fornecerá indivíduos de sua colônia e a metodologia usada para multiplicação da joaninha. Em seguida, qualquer produtor poderá adquirir os insetos das organizações parceiras e utilizar o produto em pequena, média ou grande escala. As pragas controladas por esse inseto podem causar grandes perdas, atacando fruteiras e hortaliças. “Vamos também tentar negociar para que os parceiros nos informem onde foi aplicado o produto, quantidade distribuída, praga-alvo, cultura etc., de forma que possamos rastrear o alcance da inovação”, informa.
Alvo principal é a cochonilha-rosada
A joaninha ataca diversos tipos de pragas (cochonilhas e pulgões), mas o alvo biológico destacado na instrução normativa foi a cochonilha-rosada, inseto originário da Ásia, que suga a seiva das plantas e pode provocar sérios prejuízos a diversos tipos de lavouras. “O Mapa aceitou como referência documentos científicos que comprovam a eficácia da joaninha no combate à cochonilha-rosada na uva. Trata-se de um trabalho realizado no exterior e que foi aceito aqui porque a cochonilha-rosada, até há pouco tempo, não era uma praga presente no País. Ou seja, não teríamos como fazer o experimento aqui, mas no mundo inteiro já há relatos de utilização dessa joaninha desde o século XIX”, acrescenta o analista.
Daí se mensura a importância de estimular a comercialização da joaninha. Até dezembro de 2013, a cochonilha-rosada possuía o status de praga quarentenária ausente, ou seja, fazia parte de uma lista de pragas relacionadas pelo Mapa que nunca haviam ocorrido no território brasileiro. Antes disso, em 2010, foi detectada em Roraima e, a partir de então, permaneceu sob controle oficial. Diante de sua ampla dispersão pelo País, o Mapa a retirou da lista de praga quarentenária, passando-a para a condição de praga presente.
“O reconhecimento feito pelo Mapa ao Cryptolaemus montrouzieri como um produto fitossanitário foi estratégico, tanto do ponto de vista da sustentabilidade econômica das cadeias produtivas, como também ambiental, já que muitas lavouras que se encontram infestadas ou ameaçadas poderiam estar usando agrotóxicos com o objetivo de minimizar as perdas. No entanto, poderão optar por uma ‘tecnologia limpa’, a do controle biológico”, analisa a fiscal agropecuária da Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab), Suely Brito, que monitora o desempenho da cochonilha-rosada desde que os focos iniciais foram detectados em plantas ornamentais (a exemplo de hibiscos e ixoras), na região metropolitana de Salvador, em 2013.
Na Bahia, após a confirmação laboratorial da praga, realizou-se um levantamento nas principais rotas de trânsito de vegetais, hortos e pomares comerciais. O trabalho de inspeções fitossanitárias iniciou-se pelo extremo sul do estado. De acordo com Suely, a praga foi detectada em jardins públicos, quintais e hortos dos municípios de Mucuri, Nova Viçosa, Caravelas, Teixeira de Freitas, Ibirapuã e Itamaraju. Em 2014, registrou-se a ocorrência da cochonilha-rosada nas regiões do Recôncavo, infestando espécies ornamentais e lavoura de cacau, e Vale do São Francisco (Juazeiro), também infestando plantas ornamentais, espécies nativas e lavouras comerciais de manga e uva. “Danos associados à incidência dessa praga foram constatados nas lavouras de cacau, como o encarquilhamento das folhas e perdas de bilros, que são frutos novos, logo após a florada, enquanto em lavoura de manga houve depreciação dos frutos por causa de rachaduras na casca e desenvolvimento de fungo. Nos parreirais, foram observados enrugamento de folhas e perda de bagas”, conta.
Um desses casos foi a infestação detectada na fazenda Engenho D’Água, em São Francisco do Conde. O proprietário Mário Augusto Ribeiro conta que 100% da plantação de cacau foi atingida. “Na safra de 2013 para 2014, tive um prejuízo grande, uma perda de 50%.” A infestação foi controlada por inimigos naturais, nativos e exóticos, sendo o principal deles, de ocorrência já natural na região, oCryptolaemus montrouzieri.
Hoje a joaninha pode ser encontrada na natureza, em algumas regiões, mas Telhado destaca o risco de quem tiver problemas com a cochonilha-rosada e preferir esperar a chegada do inimigo natural de forma espontânea. “Quando isso acontecer, e se acontecer, a perda financeira já pode ter sido grande porque a cochonilha-rosada, além de sugar a planta, ainda injeta toxina nela. A planta pode definhar, inclusive afetando árvores adultas de grande porte. A vantagem de adquirir o produto comercial é que a joaninha vai ser aplicada na quantidade necessária e vai funcionar como um ‘aspirador’ contra a praga”, explica.
O pesquisador Antonio Nascimento, que faz parte da equipe de entomologista da Embrapa Mandioca e Fruticultura, acrescenta que esse é um procedimento normal em controle biológico: “O inimigo natural se dispersa em função da ocorrência espacial da praga, pois há uma relação de dependência. Se o nível da ocorrência da praga é muito alto, a quantidade de joaninha aumenta. Se a população da praga baixar, reduz-se o alimento para o inimigo natural, resultando na queda da população da joaninha. Daí a necessidade de se manter uma criação básica em laboratório para novas liberações em campo. A estratégia de controle biológico é periodicamente liberar novos indivíduos para manter minimamente presente a população no campo”.
Interesse das empresas no registro do produto
Nos Estados Unidos, já existe uma série de empresas que multiplica a joaninha. No Brasil, o trabalho é para que empresas passem a oferecer esse produto ao mercado nacional.
Marcelo Poletti, da Promip, empresa de base tecnológica que comercializa produtos biológicos e serviços especializados para a implementação de programas de manejo integrado de pragas, diz que a publicação da instrução normativa influenciou na decisão da empresa de entrar com pedido de registro do produto do Mapa, a fim de trazer esse inimigo natural para dentro de seu portfólio. “O fato é que ele completa nossa linha de macrobiológicos. Nós temos cinco produtos registrados: três ácaros predadores e dois parasitoides. Submetemos ao Ministério o pedido de registro também doCryptolaemus“, afirma.
A decisão de aumentar o portfólio baseia-se no interesse cada vez maior por produtos de controle biológico no País. “Com novas empresas, novos produtos surgindo e tornando-se realidade, o produtor começa a interagir mais com esse tipo de tecnologia”, argumenta Poletti. Ele acrescenta que, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Controle Biológico (ABCbio), há uma tendência de crescimento no setor maior do que se evidencia no segmento de controle químico: “Hoje o faturamento dos químicos está em torno de US$ 12 bilhões, com crescimento anual de 3% a 5%. A projeção que se faz para os biológicos pode chegar a até 15% de crescimento anual. Essa é uma tendência não só no Brasil como no mundo.”
Marcos Bellini, da Topbio/Agromic Nordeste, empresas que atuam em inovações tecnológicas sustentáveis para agricultura, afirma que a publicação da especificação de referência interessou bastante porque facilita o caminho do registro. “Uma vez registrado, abre portas para trabalharmos em diversas culturas no País. Além de controlar a cochonilha-rosada, controla outras cochonilhas importantes e outros tipos de pragas. Tenho visitado produtores que estão com problemas com cochonilhas, como a da palma. A demanda é grande. Há interesse de nossa parte em adquirir essa tecnologia.”
No entanto, Bellini diz que é preciso pensar em uma forma de baratear o custo: “A tecnologia é excelente, eficiente, o produto funciona, é comercializado em vários países, porém temos que analisar o custo do produto no final para se tornar viável ao produtor”.
O pesquisador Nilton Sanches, entomologista responsável pela criação do Cryptolaemus na Embrapa Mandioca e Fruticultura, explica que a base de criação da joaninha na tecnologia desenvolvida pela Embrapa é a abóbora do tipo Jacarezinho, que nos últimos anos encareceu muito, aumentando o custo de produção: “Por isso, estamos em busca de uma alternativa, uma dieta para baratear a produção massal desse inseto”.
Projeto da Embrapa
Buscar uma nova dieta de alimentação para reduzir o custo de criação da joaninha é o objetivo de um projeto recém-aprovado na Embrapa. Integra a equipe a pesquisadora Beatriz Paranhos, da Embrapa Semiárido (PE), que desenvolve experimentos com o Cryptolaemus desde 2005. O foco de seus estudos é o controle biológico da cochonilha-do-carmim, que ataca a palma forrageira, cultura importante para a região semiárida, utilizada na alimentação animal na época da seca. “Essa cochonilha estava acabando com os palmais. Por meio de um projeto com a Finep [Financiadora de Estudos e Projetos], desenvolvemos métodos de controle biológico com a joaninha e vimos que ela é muito voraz e eficaz”, conta.
Beatriz levou indivíduos da colônia da Embrapa Mandioca e Fruticultura para seus experimentos. Começou criando o inseto da mesma forma, utilizando a abóbora como substrato. Posteriormente passou a utilizar a própria cochonilha-do-carmim na palma forrageira: “Eu infestava a raquete da palma livre de infestação com ninfas da cochonilha-do-carmim. Em 20 dias, estava toda infestada com a colônia desse inseto. Daí colocava os casais de Cryptolaemus montrouzieri para se alimentar na colônia e, assim, a joaninha ia se multiplicando.”
A pesquisadora informa que fez vários testes para ver o quanto a joaninha consumia por dia, em que fase consumia mais, quantos dias sobrevivia, quantos ovos produzia, sua fertilidade etc. “Enfim, fiz estudos para verificar o comportamento da joaninha e vi que ela preferia a cochonilha-do-carmim, que tem corpo mole, sem carapaça, assim como a cochonilha-rosada”, elucida.
O objetivo do novo projeto é o desenvolvimento de uma dieta artificial, visando reduzir custos de criação. “Em vez de eu alimentar, por exemplo, com mil colônias da cochonilha e demandar muita abóbora, eu alimento com 500 colônias e mais uma dieta artificial. Isso é o mínimo que queremos obter com o projeto. O máximo seria conseguir uma dieta para a fase de larvas da joaninha que supra todas as suas necessidades nutricionais. Ou seja, que ela possa se alimentar só da dieta artificial e chegue à fase adulta, consiga colocar seus ovos e que estes sejam viáveis”, finaliza Beatriz.
Histórico
Cryptolaemus montrouzieri é uma joaninha, espécie exótica, que vem sendo benéfica ao homem mundo afora desde o fim do século XIX. Várias colônias dessa joaninha, conhecida como “joaninha-australiana” ou “destruidora-de-cochonilhas”, foram enviadas entre 1891-1892 da Austrália à Califórnia para controlar espécies de cochonilhas que atacavam citros, com destaque para o Planococcus citri, da família Pseudococcidae (sem carapaça). Atualmente, dezenas de empresas nos Estados Unidos, por exemplo, produzem esse predador e o comercializam para a liberação em campo.
Alessandra Vale (Mtb 21.215/RJ)
Embrapa Mandioca e Fruticultura
Fonte: Embrapa