Técnica sustentável fez o Brasil reduzir o uso de fertilizantes químicos nas lavouras de soja, o que provocou economia US$ 2 bi por ano na cultura e ajudou a impulsionar o país como um dos maiores produtores do grão.
Nascida em 1924 na antiga Tchecoslováquia (hoje República Tcheca e a Eslováquia), imigrou para o Brasil em 1950, em meio à instabilidade e perdas deixadas pelo fim da Segunda Guerra Mundial na Europa.
Por aqui, dedicou toda a sua vida à ciência, liderando pesquisas de microbiologia do solo a partir a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), até o final de sua vida, em 2000.
Sempre com foco em sustentabilidade, em uma época em que o tema era pouco debatido, Johanna demonstrou que é possível eliminar o uso de adubos químicos poluentes e caros em culturas como a soja, aproveitando-se somente do que já existe na natureza.
Mais especificamente das Bactérias Fixadoras de Nitrogênio, que são capazes de capturar o nitrogênio do ar, um adubo natural para as plantas. Esses seres vivos, que vivem no solo, nas folhas, nos caules, foram descobertos em 1901 pelo microbiologista Martinus Beijerinck.
Mas foram os estudos de Johanna, a partir da década de 1950, que mostraram como usar as bactérias a serviço da agricultura, já que nem todas têm capacidade de transferir o nitrogênio para as plantas, explica a agrônoma Vera Baldani, aluna, colega de trabalho e amiga muito próxima da cientista.
“A Johanna e os pesquisadores que embarcaram na ideia dela descobriram que as bactérias Rizóbio fazem uma simbiose perfeita com a soja: elas se alimentam da seiva da planta e, em troca, fornecem o nitrogênio para a soja. Uma tecnologia limpa”, conta Vera.
A técnica consiste em introduzir as bactérias nas sementes de soja, que, quando começam a germinar, produzem nódulos nas raízes da planta que funcionam como usinas para a extração de nitrogênio do ar.
Os estudos derrubaram a crença da época de que os fertilizantes químicos eram insubstituíveis. A descoberta, ao reduzir os custos de produção, ajudou a transformar a soja nacional em um dos principais produtos de exportação do Brasil.
Estima-se, inclusive, que a fixação biológica de nitrogênio no plantio da soja gere uma economia de US$ 2 bilhões por ano com adubos químicos, segundo a Embrapa.
Uma vida dedicada às bactérias
Além da soja, Johanna liderou pesquisas sobre a fixação biológica de nitrogênio por palmáceas, como o dendezeiro. E descreveu a bactéria Beijerinckia fluminensis, que interage com a cana-de-açúcar, o que foi um de seus grandes feitos, conta a jornalista Kristina Michahelles, em seu livro “Johanna Döbereiner: uma vida dedicada à ciência”.
A cientista dizia que seu “insight “se deu a partir da observação de que a planta da cana-de-açúcar estava sempre verde, mantendo certa produção constante há séculos no país, mesmo em períodos secos, sem o uso de adubação especial.
Além disso, Johanna coordenou estudos sobre as limitações da fixação de nitrogênio em leguminosas, como o feijão, nos quais Vera trabalhou.
Ela foi também professora e orientadora de vários cientistas que hoje ocupam posição de destaque na pesquisa no Brasil. Tem mais de 500 títulos publicados, mais de 20 prêmios, além de uma indicação ao Prêmio Nobel de Química em 1997.
Anos de turbulência na guerra
Antes de fazer história na ciência, Johanna passou por duras perdas na Europa. Uma das principais foi a de sua mãe, Margarethe Kubelka, que morreu em um campo de concentração após o fim da Segunda Guerra, em 1945, como muitos sudetos, povos de origem alemã.
Nascido austríaco, o pai de Johanna, Paul Kubelka, recebeu a cidadania tcheca em 1918, que foi anulada com a ocupação nazista no país, em 1939. A família se tornou alemã, mas “não tinham a menor simpatia pelos invasores”, conta a jornalista Kristina.
Paul, que era químico, foi constantemente espionado pela Gestapo, teve seus cursos proibidos da Universidade de Praga e ajudou amigos judeus a fugirem da perseguição nazista.
Com o fim da guerra, os pais de Johanna foram internados em um campo de trabalho forçado, enquanto ela conseguiu fugir para a Alemanha com seus avós paternos. Seu pai teve um destino diferente do sua mãe, e conseguiu escapar do campo de concentração para as terras alemãs.
Da sua mãe, ficaram lembranças de uma mulher com ideias à frente de seu tempo: “Não devemos falar para a nossa filha que o seu destino será encontrar um marido. Devemos dizer à nossa filha que a sua vitória terá sido alcançada quando se orgulhar daquilo que realizou”, anotou Margarethe, em seu diário.
Com a Europa em escombros, o pai de Johanna imigrou em 1948 para o Brasil. A cientista, entretanto, só chegaria dois anos depois, após ter se formado em agronomia na Escola Superior Técnica de Munique, onde conheceu o seu esposo, o médico veterinário Jürgen Döbereiner, que a acompanhou na mudança de país. “A minha mãe viu o Brasil como o início de uma nova vida. Não tinha como voltar para Praga, que estava sob o comunismo, e a Alemanha não era o lar dela. Então ela abraçou o Brasil com tudo e aprendeu logo a língua”, conta a filha mais velha de Johanna, Marlis Arkcoll. Johanna não perdeu mesmo tempo. Assim que chegou, fez contatos para conseguir trabalhar com pesquisa e, em menos de seis meses, já estava empregada no Instituto de Ecologia e Experimentação Agrícola (IEEA), precursor do que atualmente é a Embrapa Agrobiologia, em Seropédica, interior do Rio de Janeiro. Ela e seu esposo se naturalizaram brasileiros em 1956. Quem abriu as portas para ela foi o pesquisador Álvaro Barcellos Fagundes, diretor do Serviço Nacional de Pesquisas Agronômicas, que tinha enorme interesse pelas aplicações práticas da fixação biológica de nitrogênio no solo por meio das bactérias. Foi em Seropédica também que Johanna e seu marido Jürgen fizeram morada e criaram seus três filhos: Marlis, Christian e Lorenz.Nova pátria
Olhares de filha e amiga
Desde que entrou na pesquisa, Johanna não parou mais. Eram constantes as suas viagens para congressos e seminários, rememora Marlis.
“Ela fez com que nós, filhos, nos tornássemos responsáveis bem cedo na vida. Ela viajava muito, em uma época que era difícil ver mulher viajando sozinha. Ela adora viajar, voltava com os olhos brilhando e com a mala cheia de presentinhos exóticos, sementes”, conta Marlis,.
Em casa, Johanna e Jürgen também faziam com que os que filhos só lessem em alemão e em inglês para que eles pudessem aprender outras línguas além do português na escola.
No laboratório, ela também era dinâmica, além de uma incansável questionadora, conta a pesquisadora Vera Baldani, amiga de toda uma vida de Johanna, que entrou na Embrapa em 1976.
“Com ela não tinha meio termo, ela era bem direta. A gente discutia muito por causa de experimento, pesquisa, porque ela ensinava a gente a ser crítica. Era bastante exigente e enérgica. Mas também de um coração fantástico […] Sabia quando tinha algo errado com a gente apenas com o olhar”, conta Vera.
Fora do laboratório, era comum que Vera e Johanna se reunissem para fazer tricô e ouvir música clássica. “A gente conversava de tudo, ciência, música, marido, filho. Nós tínhamos uma ligação muito forte, de mãe e filha”, diz Vera.
Últimos anos de vida
Vera acompanhou ainda os primeiros sinais do Alzheimer que acometeu Johanna no início dos anos 90.
“Mesmo com a doença, ela nunca deixou de ir para a Embrapa. Foi duro porque, naquela época, não se acreditava que as pessoas que trabalhavam tanto a mente teriam Alzheimer”, conta Vera.
A doença piorou com a trágica morte de seu filho mais novo, Lorenz, assinado em março de 1996, com um tiro disparado por um motoqueiro, em um sinal de trânsito em São Paulo, em circunstâncias que não foram esclarecidas até hoje.
Johanna morreu quatro anos depois, com 75 anos, em 5 de outubro de 2000, por uma broncopneumonia causada por aspiração.
Seu nome ressoa até hoje nas pesquisas de microbiologia do solo. E foi até imortalizado em suas companheiras de toda uma vida: as bactérias fixadoras de nitrogênio Cluconacetobacter johannae sp. e Azospirillum doebereinerae sp.
Por: Paula Salati, G1