Valor da terra para arrendamento cai e derruba receita de proprietários; ao mesmo tempo, quem aluga áreas para plantar tem dificuldade para fechar as contas
A queda dos preços dos grãos, sobretudo a soja, e a quebra na produção da safra 2023/24 acertaram em cheio o mercado de arrendamento de terras agrícolas no país.
O cenário é complexo e não poupa nenhum dos lados do negócio: ao mesmo tempo em que o valor da terra para arrendamento recua no Brasil, afetando a receita de proprietários, quem arrenda áreas para plantar enfrenta dificuldades para fechar as contas e já há até tentativas de renegociação de contratos.
egundo relatório da S&P Global Commodity Insights, o preço médio de arrendamento de terras no Brasil em dezembro de 2023 era de R$ 1.939 por hectare, queda de 13,3% em relação aos R$ 2.236 registrados um ano antes.
Nas áreas destinadas a grãos, como soja e milho, a baixa foi mais intensa. Em dezembro, o valor do arrendamento era estimado em R$ 1.814,00 por hectare, recuo de 26,1% em comparação com o mesmo mês de 2022. Na comparação anual, registraram aumentos apenas as terras destinadas a arroz (28,2%), fruticultura (12,5%), pastagens (7,5%) e cana-de-açúcar (0,9%).
No Brasil, a maioria dos arrendamentos usa como referência de valor para o “aluguel” da terra uma quantidade fixa de parte da produção que será plantada na área. Por exemplo: um hectare tem um custo de determinado número de sacas de soja.
A queda nos preços do arrendamento vem após forte alta registrada nos últimos três anos. “Nesse período houve uma inflação muito forte nos valores dos arrendamentos, com o aumento do preço das commodities e a maior rentabilidade das propriedades”, comenta Sandro Al Alam Elias, diretor da consultoria Safras e Cifras.
Agora, a situação é inversa. “A queda das commodities agrícolas reduziu os valores dos arrendamentos quando transformamos as sacas em reais, o que naturalmente não acompanha a rentabilidade em relação ao valor imobilizado por hectare produtivo. Isso faz com que contratos não sejam renovados e áreas sejam devolvidas. Consequentemente, temos menores preços sendo praticados”, diz.
Na visão de Elias, mesmo que os custos tenham caído nesta safra, o preço de venda dos grãos fará com que a margem líquida seja inferior à dos dois últimos ciclos agrícolas. Essa dificuldade, somada ao fator climático, deverá reduzir o apetite por novos arrendamentos.
Do outro lado do balcão, quem arrenda terras para plantio e enfrenta baixa remuneração em função da menor colheita já começa a buscar alternativas para preservar parte da rentabilidade. Entre elas estão renegociações de contratos ou algum tipo de “desconto” por parte dos proprietários de terras.
“Já existem sinais fortes de que a quebra da safra vai impactar no pagamento dos arrendamentos deste ano, assim como negociações para reduzir a quantidade de sacas de soja a serem pagas daqui para frente ou até eventuais rescisões de contratos caso as partes não se acertem”, afirma Luciano Lewandowski, sócio fundador da gestora de recursos AGBI.
No norte do Paraná, região que está sendo afetada pela estiagem, entidades agrícolas já fazem reuniões com produtores para recomendar que os proprietários de terras deem algum tipo de “alívio” para quem aluga as áreas. “Este é um ano em que é preciso dar um fôlego para quem planta, senão não vai sobrar nada para o arrendatário”, diz Adão de Pauli, diretor do Sindicato Rural de Londrina.
Segundo ele, a quebra da safra afetou a rentabilidade dos produtores que arrendam terras. O valor do arrendamento na região de Londrina gira, em média, em 22 sacos de soja por hectare, afirma. “Daí o produtor gasta 25 sacas por hectare com insumos, mais 10 sacas de custo fixo da fazenda. Então ele tem que colher 57 sacas por hectare só para cobrir os custos. Com a quebra de safra, muita gente não vai conseguir pagar essa conta”, avalia.
O ideal, diz, é que os proprietários concedessem um “desconto” nos pagamentos. “Tem que tirar uns cinco ou seis sacas por hectare, para deixar o arrendatário pagar suas contas e permitir que ele sobreviva este ano”, afirma.
A AGBI confirma o cenário de dificuldades. “Na nossa avaliação, a rentabilidade já não estava boa. Por conta da quebra da safra, a proporção do custo do barter em relação à colheita ficou muito pior do que o previsto, o que certamente forçará os arrendatários a negociarem com as tradings ou com os donos das propriedades, senão com os dois ao mesmo tempo”, avalia Lewandowski.
O produtor João Guilherme Trevisan, que arrenda cerca de 650 hectares entre os municípios de Dilermando de Aguiar e Santa Maria, no Rio Grande do Sul, já enfrentou essa situação em 2023, quando suas lavouras foram afetadas pela estiagem.
“Teve área em que colhi menos de 10 sacas por hectare, e tive que usar parte da colheita de outras áreas que tiveram resultado melhor para poder cumprir os contratos”, conta.
Para esta safra, Trevisan acredita que há um grande risco de descapitalização dos arrendatários devido à baixa dos grãos, situação que piora com uma esperada quebra de safra. “Na minha região, muita gente já esgotou suas reservas no ano passado. Com os preços na situação atual, vai ter muita gente descapitalizada”, afirma.
Segundo o último censo agropecuário do IBGE, de 2017, a estimativa é de 30 milhões de hectares arrendados no país (8,6% da área total dos estabelecimentos agropecuários no Brasil).
Elias, da Safras e Cifras, diz que desde 2017 há incremento de arrendamentos e parcerias entre os donos de terra e quem detém os demais fatores de produção. Entre as razões para a alta estão a maior profissionalização e a especialização das atividades. Há ainda casos de herdeiros que não têm interesse de explorar a terra, mas querem manter sua propriedade.
Fonte: Globo Rural