Reforma tributária: agro e a sociedade vão pagar mais impostos

Após o Senado aprovar em dois turnos a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Reforma Tributária, especialistas afirmam que o agronegócio e a sociedade como um todo irão pagar mais impostos do que atualmente. Confira a entrevista com o vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Tributário (ABDT), Eduardo Diamantino, e do coordenador do núcleo econômico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Renato Conchon.

O agro vai pagar mais imposto do que atualmente paga com a reforma tributária aprovada?
Eduardo Diamantino:
Eu acho que a reforma tributária — já me manifestei em outras ocasiões — é algo extremamente mal arrumado. Quero ressaltar aqui o trabalho do Renato Conchon à frente da CNA lá no IPA [Instituto Pensar Agro]. Eu, inclusive, integro o IPA pela ABCZ, então é um trabalho muito bem feito e que salvou um pouco de coisa. Mas, eu não vejo como melhora a reforma tributária. Eu acho que, na verdade, essa reforma tributária tem um grande beneficiário, que é a indústria automobilística brasileira. Essa reforma tributária parece a reforma do ABC, acaba o IPI e cria imposto seletivo. E os serviços e o agro tendem a ter um aumento significativo da carga.
Renato Conchon: Sim, vai pagar mais. De acordo com um estudo da Fundação Getúlio Vargas que a CNA contratou, o agro vai pagar mais imposto comparado ao que paga hoje, E também a sociedade brasileira vai pagar mais imposto dado o cenário da reforma tributária. Então, especificamente, haverá, sim, aumento de carga tributária ao longo da transição e quando o Iva Dual, que é o CBS e o IBS, passarem a substituir os tributos atuais.

Essa projeção se deve à interpretação de que a gente não sabe ainda qual é a alíquota universal do IVA? Esse é o principal argumento de que o agro vai pagar mais impostos?
Eduardo Diamantino:
Não, muda totalmente a faixa de incidência. O agro, atualmente, tem uma carga tributária diferenciada. O que eu acho que precisa ser colocado antes disso, você me permite a digressão, é o seguinte: em quase todo o mundo, o agro é subsidiado. Se você pegar o cálculo da União Europeia, para cada 1 euro faturado, existe um estudo que diz que 60 centavos [de euro] seriam de subsídios. O Brasil tem muito pouco subsídio, tinha um sistema tributário mais fácil. O agro tem que ser menos tributado que o serviço, o serviço financeiro e tudo isso. Como é que nós estamos ficando aqui? Nós estamos ficando com o agro sendo tributado, evidentemente de forma diferenciada. Mas, ele precisava ser mais diferenciado. Inclusive, o pleito da Frente Parlamentar de Agricultura era uma alíquota [reduzida] de 80%, e não de 60%. E eu sou testemunha viva do tanto que foi difícil manter a alíquota de 60%.
Renato Conchon: Hoje, no agro, por exemplo, o Convênio 100 reduz a zero a cobrança do ICMS sobre insumos agropecuários. O Convênio 52 do ICMS tem redução de base de cálculo na compra de máquinas e equipamentos rurais. Esses convênios vão acabar ao final da transição e incidirá o IVA Dual, com desconto de 60% sobre a alíquota padrão. Em resumo, se a gente está falando de uma alíquota de 25% do IVA e o agro tem um desconto de 60%, a gente está falando de uma alíquota de 10% para produtos agropecuários e para os insumos agropecuários. E isso, quando a gente compara essa alíquota de 10% aos países da OCDE, que se utilizam desse modelo tributário, que é o IVA, a gente vai ter a maior alíquota de IVA incidente sobre alimentos no mundo. Por isso que a Frente Parlamentar da Agropecuária, a CNA, o IPA, as entidades, buscavam uma redução maior, não de 60%, mas de 80%, para que a alíquota do IVA aqui no Brasil ficasse em torno de 5% [para o agro]. E isso não foi possível tanto na Câmara quanto no Senado, mas a gente vai continuar mostrando estudos que embasem essa necessidade porque não dá para o Brasil ser um país campeão na produção de alimentos e ter o maior alíquota de imposto cobrado desses alimentos com vendidos para a sua população.

Qual vai ser essa alíquota padrão do IVA? Porque, no final das contas, foi aprovada uma reforma em que a gente não sabe qual vai ser a alíquota padrão.
Eduardo Diamantino:
Esse número é um número cabalístico, né? Eu tenho a impressão que ele é semelhante à cotação do dólar na segunda-feira, ninguém tem muita certeza. Mas, o que eu tenho ouvido falar é em torno de 25% a 27%, algo assim. O problema é o seguinte, esse número sobe à medida que entram outros benefícios fiscais de redução de alíquota. Então hoje, nós temos regime especial automobilístico, regime especial para transporte urbano, um monte de alíquota diferenciada que está impactando. Sabe Deus se não vai colocar mais alguma coisa aí, né? Mas se for cravar o número, todo mundo fala em torno de 27,5%.
Renato Conchon: O Ministério da Economia já divulgou nota falando que a alíquota deve se tornar em torno de 27,5%. Mas cada nova exceção faz com que a alíquota padrão se eleve e a gente precisa lembrar aqui: toda vez que a alíquota padrão se elevar — a alíquota reduzida dos 10% no exemplo que eu dei anteriormente —, ele também vai se elevar. Ou seja, vai se caminhando no sentido de termos, sim, o maior IVA do mundo, inclusive o maior IVA incidente sobre alimentos aqui no Brasil. É o que está se mostrando e cada vez mais, cada exceção, isenção quando condicionada a um setor econômico, a um determinada criação de fundo, como nós vimos no Senado, vai precisar ter mais dinheiro para fazer isso. E, obviamente, vai ser a alíquota que vai ser elevada. A gente deve conhecer mais profundamente essa alíquota na discussão da lei complementar que vai fazer toda a diferença também. A lei complementar que vai regulamentar a PEC [da Reforma Tributária], ela vai prever quais são os produtos, insumos agropecuários, produtos agropecuários que estão nessa alíquota e assim como outros setores econômicos e outras isenções. Então, cada coisa que se colocar nessas isenções, nessas reduções vai fazer com que a alíquota padrão se eleve.

Quais foram os melhores aspectos desta reforma tributária para o agro?
Eduardo Diamantino:
Eu sou um desiludido com a reforma. Acho que a federalização da legislação do IVA, vamos chamar assim, é algo necessário, pois simplifica o sistema, mas não vejo grandes vantagens além disso. Eu revisei o texto da época do deputado Baleia Rossi, que era um texto muito mais puro do que o que acabou sendo aprovado. Obviamente que política é a arte possível e não a arte do ideal. Mas, eu não vejo nada de muito positivo, a não ser uma possível simplificação na legislação do IVA Dual e nas legislações de uma forma total.
Renato Conchon: Mesmo não sendo o ponto de vista ideal que a gente queria de desconto da alíquota 80%, a gente não pode desconsiderar as evoluções desse processo. No início da discussão da PEC 45, que foi em 2019, falava-se em uma alíquota única de 25% para todos os produtos e serviços do Brasil. Os produtores pequenos e médios produtores com faturamento a partir de R$ 50 mil seriam contribuintes. Ou seja, uma reforma muito dura, ainda que na busca da simplificação, mas que traria severos juízos para os produtores rurais. Desde 2019, houve muitas evoluções, como foi dito, e eu acho que a gente precisa também enaltecer esse processo tanto político quanto técnico, tanto na Câmara quanto no Senado desses processos evolutivos. Mas eu concordo no sentido de que ao longo dos próximos anos, teremos que nos debruçar, ficar atentos e trabalharmos muito junto ao Congresso Nacional para que não haja nenhum tipo de retrocesso do que foi garantido na PEC para o setor agropecuário.

Quais foram os piores pontos dessa reforma para o agro?
Eduardo Diamantino:
Eu acho que não só para o agro como para o Brasil como um todo, ela centraliza o poder no Executivo. Então, ela ataca fundamentalmente a Federação, e isso é ruim. Nosso modelo de estado é um modelo de Federação. Isso para mim é terrível. Segundo que ela nunca poderia ter sido implementada antes da Reforma do Estado, vai faltar sempre dinheiro. Existe uma emenda que equipara salário do auditor estadual aos auditores federais, é uma Emenda à Constituição. Veja, mal aumentou a arrecadação e já começou a aumentar a despesa. Nós vivemos um paradoxo. Enquanto o Estado brasileiro não se conscientizar que não cabe mais despesa contra os brasileiros — e nesse caso o motor da economia o agro, então o agro é um grande prejudicado —, nós teremos dias difíceis. Veja, nós estamos pegando o campeão do setor agropecuário e tachando de uma maneira absurda para transferir riqueza para movimentos sociais, sem demérito nenhum aos movimentos sociais. Só que eu acho que não devia gastar dinheiro público com cartilha do movimento tal cartilha do movimento X e Y, como estamos sabendo que está sendo fabricado. Nós vamos voltar a essa política protecionista anterior? Eu acho que o grande problema da reforma tributária é justamente aumentar a carga para aumentar o Estado e construir, com isso, o meu modelo de poder unitário centralizado. Isso é muito perigoso do ponto de vista jurídico.
Renato Conchon: Eu acho que o principal risco a agro e a toda a sociedade, não só ao agro vai sentir nos próximos anos é que se a aprovação da reforma tributária limita a atuação dos entes federados, e aí municípios e estados, em ampliar ou reduzir a carga tributária incidente sobre bens e serviços, e aí a gente está falando da IBS e do CBS, em alguns estados que não tem consumo, eles vão ver a sua receita ser reduzida naturalmente. E, a válvula de escape encontrada na reforma tributária e aprovada no Congresso é de que o IPTU poderá ser majorado a partir da definição do Poder Executivo, ou seja, do prefeito em algumas condições, da base de cálculo sem passar pelas assembleias legislativas dos municípios. Isso é, mais ou menos, um cheque em branco para os prefeitos ampliarem a incidência do IPTU. Já para os Estados, o ITCMD, Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação, e também do IPVA são mecanismos alterados dentro dessa PEC que permitirão que os estados ampliem a cobrança tributos sobre veículos automotores, o IPVA, ou sobre a transmissão causa mortis, no caso de sucessão familiar. E isso é um risco muito grande tanto para a sociedade urbana quanto para o agronegócio no sentido de que os Estados e municípios que perderem, ao final do dia, receita por conta dessa reforma tributária, obviamente ampliarão a cobrança do IPVA, do ITCMD e também do IPTU.

Aquela contribuição estadual para ajudar em fundos para financiar a infraestrutura dos Estados também passou na reforma tributária e o imposto do pecado sobre mineração e o setor de petróleo. Isso é uma preocupação?
Eduardo Diamantino:
Eu acho que qualquer aumento de carga tributária, esses fundos, enfim, que já vinham trazendo problemas. Agora, eu acredito que todos os Estados vão criar, todo mundo vai exercer capacidade tributária no limite. Vejo também no imposto seletivo alguns problemas, como incidir sobre a ação a mineração que faz, o adubo que vai faz o produto agrícola que vai na cesta básica, que tem alíquota zero, montar isso tudo na lei complementar de forma que não fique atrapalhado é complicadíssimo. Agora, infelizmente a reforma tributária foi, na minha visão, uma necessidade falsa, repetida inúmeras vezes que acabou se tornando a verdade absoluta. Outro dia eu vi um uma autoridade aproveitando a fala do Alfredo Augusto Becker, talvez um dos maiores tributaristas do Brasil, citando um carnaval tributário para falar que estava resolvendo o carnaval tributário. Não, ele está inaugurando a “micareta tributária” porque, a partir de agora, é o ano inteiro, sabe? Como é que nós vamos conviver com dois sistemas se com um estava difícil, então não faz o menor sentido, eu sou um poço de mágoas em relação à reforma. Mas, é aquilo né? A gente não pode deixar nunca de lutar, vamos em frente.
Renato Conchon: Para começar falando dos fundos estaduais, realmente, é algo surreal. Em resumo, nós estamos fazendo uma reforma tributária porque o sistema tributário atual é ruim. E nós estamos levando problemas do sistema tributário atual para o novo sistema, em resumo é isso com essa cobrança dos fundos estaduais. Então é muito ruim porque a gente já leva vícios do sistema que a gente está querendo alterar, do que a gente está querendo corrigir. Realmente não dá para compreender o objetivo. Mas, a gente sabe o que está por trás, os interesses no sentido de arrecadação. Com relação ao imposto seletivo, mais uma vez a gente vai ter que acompanhar a lei complementar. É importante destacar que a lei complementar, ela foi remetida mais de 60 vezes na PEC. Ou seja, tudo vai remitir na lei complementar. A gente vai ter uma lei complementar com no mínimo 60 artigos e a lei complementar vai definir se o [imposto] seletivo vai incidir sobre o fertilizante ou não, se o produto agropecuário ou não, se insumo agropecuário ou não. Embora, dentro da PEC, o setor agropecuário conseguiu colocar um dispositivo de que tendo uma alíquota reduzida, não pode incidir o [imposto] seletivo, o que nos deu uma certa tranquilidade. Mas, sem sombra de dúvida, o setor precisa ficar atento e vigilante na discussão dessa lei complementar. Em relação à transição tributária, a gente vai ver nos próximos anos já a cobrança da CBS, que é a contribuição federal, e concomitante, depois a gente vai ver e o IBS sendo surgido que é o imposto estadual/municipal enquanto o ICMS e o ISS vai sendo diminuído. Então, a gente vai ver esse assunto nos próximos dez anos pelo menos, com começo em 2026.

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