Depois de enfrentar problemas com a aquisição de fertilizantes e defensivos, o agronegócio brasileiro chega à reta final do ano-safra 2021/22 com mais um motivo para se preocupar: o alerta de risco de desabastecimento de diesel, situação vista também com preocupação por operadores do setor logístico. Como o combustível abastece veículos de carga e máquinas e implementos agrícolas, um desabastecimento poderia afetar não só o escoamento da produção de diversas culturas, como o milho safrinha, mas também o cuidado com as lavouras ao longo do ciclo produtivo.
“A possiblidade de desabastecimento é um risco que a gente não pode dizer que não vá acontecer porque a gente está num momento de muita instabilidade”, observa a sócia-executiva do Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS), Maria Fernanda Hijjar, ao ressaltar que se trata de “um risco que a gente tenta acreditar que não é tão alto assim”.
“Espero que seja mais um risco que não aconteça. Se acontecer, espero que que seja realmente por muito pouco tempo e que o mundo consiga resolver o seu problema de desabastecimento”, completou a executiva durante evento sobre o desempenho do setor no último ano.
Levantamento feito com 137 empresas do setor logístico apontou que o aumento no preço do diesel foi o principal fator para elevação dos custos entre 2020 e 2021 – período em que relataram dificuldades para repassar essa alta. Para 54%, o valor cobrado pelos serviços de transporte e armazenagem teve um reajuste menor do que o observado nos custos de produção.
“Aqueles operadores logísticos que perceberam uma redução na margem é porque o preço não aumentou de forma equivalente ao aumento de custos ou não aumentou mais do que os custos aumentaram”, destaca Maria Fernanda.
A partir do segundo semestre, contudo, a perspectiva é ainda pior: o combustível tende não só a subir de preço como também se tornar mais escasso – a exemplo do que aconteceu com fertilizantes e defensivos químicos no início desta safra. O avanço das sansões econômicas contra a Rússia tem elevado a demanda europeia por diesel para substituir as importações de óleo e gás de origem russa, voltando-se para os Estados Unidos, fornecedor de 80% das importações brasileiras.
“Não é uma crise de petróleo, mas de refino. O grande X da questão é que a Rússia exporta muito óleo refinado, é a maior exportadora de petróleo, mas um gigante exportador de refinado”, explica o consultor em Gerenciamento de Risco da consultoria StoneX, Pedro Shinzato, ao pontuar que o investimento na construção de novas refinarias leva anos. “Isso preocupa bastante porque seja quem for que venha a suplantar a Rússia no mercado internacional, nenhum deles tem capacidade de refino ociosa a ponto de substituir a exportação de refinado da Rússia”, alerta o consultor da Stonex.
O período de maior risco, segundo Pedro, concentra-se justamente no início do plantio da safra de verão 2022/2023, em setembro, quando também ocorre a temporada de furacões na região do Golfo do México, onde estão concentradas as refinarias americanas. “Estamos em ano de La Niña, quando geralmente as temporadas de furacões são mais fortes. Isso atrasa navio, acaba atrapalhando toda a logística. É isso que preocupa, porque se houver qualquer tipo de problema sério nos EUA, os estoques no mundo todo estão mais baixos em diesel”.
Para a agropecuária, a oferta regular de diesel no segundo semestre é “essencial”, ressalta o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Caio Carvalho. “Não só o plantio, como também a colheita e aplicação de defensivos têm uma relação direta com o diesel. O que a gente tem feito já há anos é a integração de operações, o que reduz o consumo, mas claro que é essencial para a colheita que começa já no segundo semestre e para o plantio, em setembro”, pontua.
O presidente da Abag lembra que os trabalhos em campo não podem esperar e defende ação para evitar o desabastecimento de combustível. “Isso [falta de diesel] é uma coisa que não pode acontecer, por isso eu digo que as medidas têm que ser tomadas. A agricultura é o casamento da competência com o tempo, o tempo não perdoa. Não dá pra esperar, não dá pra estocar no campo pra colher depois”.
Intervenção no radar
Atualmente, o Brasil importa cerca de 25% do diesel que consome. Os outros 75% vêm de refinarias controladas pela Petrobras. Com a escalada dos preços do petróleo e seus derivados no mercado internacional, a empresa – que desde 2016 adota preços em paridade com o mercado internacional – alertou o governo sobre a possibilidade de escassez de diesel caso os valores praticados no mercado interno ultrapassem o desconto de 9% sobre o preço de importação. Dias após o comunicado, o presidente da estatal, José Mauro Coelho, foi demitido com apenas 40 dias de exercício no cargo.
Em nota, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) atribuiu a demissão a uma “ameaça de desabastecimento de diesel no mercado doméstico a menos de cinco meses das eleições presidenciais”, sendo “pano fundo da quarta troca de presidente da Petrobrás e do balão de ensaio da proposta governamental de congelamento de preço do produto por 100 dias, numa tentativa eleitoreira de evitar maiores explosões da inflação”. Segundo a FUP, que representa os trabalhadores do setor petrolífero, há “possibilidade real de faltar diesel no mercado brasileiro ou de o preço desse combustível explodir no país”.
No mercado, a demissão também foi vista como sinal de possíveis intervenções na política de preços adotada pela Petrobrás até agora. “Até certo ponto, acreditamos que poderíamos, por algum tempo, voltar à dinâmica de precificação e aquisição de combustíveis que predominava antes de 2015, quando a Petrobras vendia derivados de petróleo com desconto em relação ao preço de importação e correspondia a quase 100% do mercado”, pontua o BTG Pactual em análise de mercado divulgada na última semana.
Segundo o banco, tal cenário tenderia a favorecer principalmente as grandes distribuidoras, que compram mais da Petrobras, enquanto as distribuidoras menores, de bandeira branca, dependem das importações – limitada num cenário de preços internos mais baixos.
De olho em Brasília
Outra medida acompanhada pelo setor é o Projeto de Lei Complementar 18/22, em discussão no Senado e que que prevê um teto de 17% para o ICMS dos combustíveis e da energia elétrica, alíquota inferior à praticada atualmente por parte dos estados. Segundo o BTG, a medida poderia reduzir em 7,2% o preço praticado em São Paulo, por exemplo, e afetaria a paridade com o preço do etanol na bomba.
Se o PLP 18 entrar em vigor, o maior desconto no preço de equilíbrio do etanol para o açúcar pode fazer com que as usinas maximizem o mix de açúcar daqui em diante. Em um ano em que a britagem no Centro Sul ainda está abaixo do potencial total, a gasolina tenderia a desempenhar um papel dominante no atendimento da demanda do ciclo otto”, afirma a instituição financeira.
Entre os operadores logísticos, já se discute possibilidade de racionamento de combustíveis, conforme revelou a diretora executiva da Associação Brasileira dos Operadores Logísticos (Abol), Marcella Cunha. “Se realmente for necessário, obviamente que a abol e as empresas estarão a postos para contribuir e sentar com as autoridades competentes para que isso seja feito da forma mais responsável possível, mas a gente espera que realmente a gente não chegue nesse nível”, observou a executiva durante evento, na semana passada.
De acordo com Marcela, o setor “acompanha e tenta influenciar positivamente” nas discussões que ocorrem em Brasília, mas que por enquanto está “esperando aquela proposta que vai vingar”. “Aqui do nosso lado a gente e espera obviamente que o governo também olhe para o global source em relação ao combustível da forma que olhou os fertilizantes em relação a guerra do leste europeu”, destacou a diretora executiva da Abol.
Nesta segunda-feira (7/6), o governo federal anunciou a edição de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) com a intenção de reduzir a tributação sobre os combustíveis. As medidas incluem zerar impostos federais sobre gasolina e etanol. O presidente Jair Bolsonaro, no entanto, condicionou a adoção das medidas à redução de tributos estaduais.
Foi incluída na proposta uma compensação aos estados para a perda de arrecadação causada pela redução de ICMS sobre diesel, gás de cozinha e transporte público. Mas, para que isso possa ocorrer, a aprovação do PLP 18 é vista como necessária.
Biodiesel em pauta
Do lado do agronegócio, tem aumentado a defesa para aumentar o percentual da mistura de biodiesel sobre o diesel fóssil, atualmente em 10%. De acordo com cronograma do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, esse teor deveria ter alcançado 13% no ano passado, mas foi reduzido para 10% devido à forte alta no preço do óleo vegetal, particularmente de soja – principal matéria-prima do biodiesel nacional.
“O biodiesel é mais caro do que o diesel fóssil, se você aumenta a mistura você aumenta o preço do diesel na bomba. Então, você tem que escolher se quer segurança energética, mas com preços mais elevados, ou preços mais baixos, mas com risco maior de desabastecimento”, observa Pedro, da Stonex, ao pontuar que, até final de março, o biocombustível era cotado a um preço 49% maior que o do diesel fóssil.
Para o presidente da Abag, a perspectiva de uma crise de desabastecimento torna o aumento da mistura de biodiesel uma decisão acertada. “Acho que momentos de crise como esse que eventualmente podemos ter é hora de tomar medidas corretas e essa é uma medida muito correta”, defende Caio Carvalho.
Segundo ele, trata-se de uma decisão política, dada a capacidade produtiva do país. “Quando você vende a soja e vai produzir proteína da soja pra animais ou consumo humano o óleo vem junto. Então o óleo está lá, é uma questão de decisão política de mudar a mistura, porque produto tem. O Brasil é maior produtor mundial”.
Impacto inflacionário
Segundo o consultor em Gerenciamento de Risco da consultoria StoneX, o aumento da mistura não resolveria o problema com uma eventual escassez de diesel no mercado, mas poderia atenuar bastante a situação. Por outro lado, os efeitos na inflação iriam além dos combustíveis, dado que o óleo de soja é fonte de 70% da matéria prima usada para produção de biodiesel no Brasil e tem pesado na inflação de alimentos.
” O biodiesel é a maior demanda de óleo de soja no mercado brasileiro hoje. Se aumentar o percentual de mistura de 10% para 15% aumenta em 50% a demanda e estamos realmente num cenário bem complicado, com quebra de safra na região sul”, pontua Pedro Shinzato.
Para o presidente da Abag, contudo, a iminência de uma crise se sobrepõe a questão inflacionária. “Uma coisa é uma conjuntura normal que você pode tomar uma decisão desse tipo. Mas numa conjuntura de estresse você tem que rever isso e essa revisão, do ponto de vista técnico, não tem problema. Do ponto de vista de estratégia, entre ficar sem e ter um custo maior, eu prefiro a estratégia de ter um custo maior”, completa Caio.
Fonte: Revista Globo Rural