Um horizonte para a soja

Crédito: Divulgação

No Whole Foods Market, supermercado que fica em frente à praça Columbus Circle, em Nova York, um dos lugares mais agitados nas proximidades do Central Park, inúmeros produtos expostos nas prateleiras trazem a seguinte informação: made whit non-GMO Ingredients (do inglês, feito com ingredientes não transgênicos). A Whole Foods possui outras 460 lojas de venda de alimentos espalhadas pelos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, onde a cena se repete. Em Paris, a poucas quadras do museu do Louvre, uma das lojas Naturalia, marca que pertence à rede Monoprix de supermercados, também avisa logo na entrada o que se vende ali: apenas produtos non-GMO. O mesmo ocorre em Roma, Lisboa, Madri, Berlim, Xangai e em outras diversas cidades.

Os produtos fabricados com ingredientes não transgênicos fazem parte de um mercado em crescimento no mundo todo. Não por acaso, em junho, a gigante de comércio eletrônico Amazon comprou a Whole Foods por US$ 13,7 bilhões. O Brasil, como um dos maiores produtores globais de grãos, poderia tirar mais proveito dessa onda com o seu principal produto de exportação: a soja. No caso, a soja convencional, ou non-GMO no mercado internacional. “Nunca plantei soja transgênica”, diz o agricultor Evandro Batista Gianezini, proprietário da fazenda Terra Way, no município de Sinop (MT). “Quem já está nesse mercado não sai.” Gianezini está se programando para plantar 20 mil hectares na safra 2017/2018, juntando as suas outras fazendas localizadas nos municípios de Tabaporã, Porto dos Gaúchos e União do Sul, todas no Estado.

pacote de ideias: na rede americana Whole Foods, os consumidores são sempre lembrados de que todos os seus produtos não levam ingredientes transgênicos (Crédito:Divulgação)

Mas no Brasil ainda há pouquíssimos produtores dispostos a plantar a soja convencional, embora o mercado pague prêmios por ela. Na safra 2016/2017 foram cerca de cinco milhões de toneladas em uma área de 2,2 milhões de hectares. Esse volume representa 4% da safra total de 114 milhões de toneladas colhidas, entre convencional e transgênica. O Mato Grosso é referência no cultivo. Na última safra, 13,7% da lavoura foi do tipo convencional: três milhões de toneladas em 1,2 milhão de hectares, segundo dados do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea). A aderência é baixa porque os desafios são grandes para se manter nesse mercado. Um dos principais é a obrigatoriedade da segregação da cultura, para que ela não se misture com a soja transgênica em toda a sua cadeia, do plantio ao embarque nos portos. Também há poucas sementes melhoradas e adaptadas à disposição dos produtores e, o mais grave, não há uma política pública para esse mercado sair da condição de um nicho, como linhas de transporte exclusiva e armazéns nas zonas produtivas.

Europa em foco: a Naturalia, marca que pertence aos supermercados Monoprix, é apenas um exemplo de negócio no continente que demanda cada vez mais non-GMO (Crédito:Divulgação)

O coordenador do programa Rodrigo Brogin, técnico da Embrapa e que também está na diretoria do instituto, diz que o projeto foi criado em função de uma demanda dos produtores, que naquele ano viram agravar um cenário já desfavorável à soja convencional. Vale registrar que na safra 2009/2010, pela primeira vez o plantio de soja transgênica chegou a 55% da produção. Na época, a safra rendeu 68,5 milhões de toneladas, quase a metade da atual colheita. Agora, com a criação do Instituto Soja Livre a história se repete. No campo, a transgenia ganhou força por uma questão simples: ficou fácil para o produtor controlar as pragas da lavoura através de um único defensivo, o glifosato. “O que nós buscamos é aumentar a quantidade de variedades de soja convencional com qualidade para que sejam competitivas”, diz Brogin. “Nós queremos que o produtor analise o negócio, porque ele pode ser rentável.” Hoje, um batalhão de consumidores está de olho nesse tipo de produto, principalmente nos países desenvolvidos.

Somente a Europa importa cerca de 40 milhões toneladas por ano, cultivadas em aproximadamente 16 milhões de hectares em todo o mundo. A produção do continente é de cerca de 9,2 milhões de toneladas e deve chegar a 15 milhões de toneladas nos próximos dez anos. Ou seja, a Europa, um mercado com 730 milhões de consumidores, ainda vai depender muito das compras externas e está sinalizando o tipo de produto que deseja. Desde janeiro de 2015, com a permissão do Parlamento Europeu, qualquer país do bloco pode banir o cultivo de transgênicos. Na Escócia eles foram totalmente proibidos, outros países estão indo por etapas. A França, por exemplo, já proibiu o cultivo de milho transgênico.

Um estudo publicado no início deste ano pela Technavio, empresa global de pesquisa, prevê um aumento da demanda mundial por produtos non-GMO da ordem de 16,2% no período de 2017 a 2021. E a indústria está indo em busca desses consumidores. Somente nos Estados Unidos, dois mil produtos, de biscoito a cápsulas de café, são lançados todos os anos. Segundo o agrônomo Wininton Mendes, coordenador técnico do programa Soja Livre, a Europa tem uma demanda atual de 2,7 milhões de toneladas anuais de soja não transgênica e na China ela é de cinco milhões de toneladas. “Nós podemos abastecer esse mercado de cerca de oito milhões de toneladas”, afirma Mendes. Está aí a oportunidade de negócio. Na China, por exemplo, que é um dos maiores compradores da soja brasileira, o crescimento por produtos non-GMO nos próximos quatro anos é estimado em 21%, de acordo com Technavio.

Outra pesquisa, mas dessa vez da Euromonitor International, consultoria que analisa mercados consumidores, mostra que em 2016 a receita com a vendas de óleo de soja em supermercados chineses foi de US$ 5,2 bilhões, 1% abaixo do ano anterior, enquanto os óleos alternativos cresceram até 6%. O produtor que tem se dedicado à soja convencional está de olho exatamente nesse desejo de compra, o que de fato abre a possibilidade de bônus pago pela indústria.

” Precisávamos organizar melhor a cadeia e dar mais clareza e agilidade nas decisões” Endrigo Dalcin, presidente da Aprosoja-MT e do recém-criado Instituto Soja Livre

Mas então, qual o motivo da baixa adesão dos agricultores? O produtor Gianezini tem uma explicação que vai além da logística e de políticas: falta gestão na fazenda. “Quem se aventura nesse mercado pode se dar mal por causa da oscilação do prêmio pago pela indústria ou por deixar que o grão se contamine”, diz ele. “Caso ocorra na lavoura, nos armazéns ou no transporte, todo o trabalho investido é perdido.” Para ele, é importante o produtor se cercar de cuidados, como por exemplo comprar apenas sementes certificadas. De acordo com o executivo César Borges, vice-presidente da Caramuru Alimentos, grupo, que no ano passado faturou R$ 4 bilhões, o controle contra a contaminação é o grande gargalo desse mercado. “Não é fácil, mas, para os clientes que querem soja não transgênica, o processo tem que ser rigoroso”, diz. A Caramuru é uma das maiores esmagadoras desse tipo soja no País. Neste ano, a previsão são de 2,2 milhões de toneladas em quatro unidades, das quais três se dedicam à soja convencional: em Sorriso (MT), a capacidade é de 1,2 mil toneladas processadas por dia; em São Simão (GO) são mais 1,8 mil toneladas e em Itumbiara, também em Goiás, onde está a sede da empresa, são mais 1,7 mil toneladas por dia. Segundo Mendes, o bônus pago na safra 2016/2017 foi de R$ 3 por saca de 60 quilos em Goiás, mas em outros Estados o valor foi superior. “As tradings, como a Caramuru, Amaggi e Imcopa, as maiores compradoras em Mato Grosso, regulam o preço do bônus pago, que bateu nos R$ 12”, diz Mendes. Borges afirma que em Sorriso, a Caramuru tem mantido o bônus em 20%. No final do mês passado, a saca convencional no município era vendida a R$ 61, ante R$ 51 da transgênica. No ano passado, a trading faturou US$ 522,4 milhões, principalmente com a venda de proteína concentrada de soja para a Europa, usada como ingrediente em uma larga variedade de produtos alimentares, como massas, biscoitos e até nas carnes processadas.

foco no campo: para os agricultores que cultivam o grão convencional, um dos desafios é segregar a lavoura em toda a cadeia, do campo até o embarque para exportação (Crédito:Divulgação)
Fonte: Dinheiro Rural – Cauê Vizzaccaro e Vera Ondei

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